Arquivo da categoria: Poesia

A salvação da poesia

book with autumn leaf on blanket at home

Na semana passada, dia 4 de dezembro, completei 58 anos e lancei meu 45º livro. Isso contando com os livros de minha inteira autoria, e ainda os organizados, os traduzidos, os psicografados. Esse último lançamento é de poesia – Luas vermelhas, poemas de outono– entre outros sobre educação, espiritismo, espiritualidade, infanto-juvenis, didáticos e paradidáticos. De tudo um pouco. Não estão entre esses 45 títulos, os tantos outros editados por mim, pela Editora Comenius.

Queria comentar sobre lançar livros de poesia – o primeiro que publiquei, aos 19 anos, Chamas de Paz, foi de poesia, o lançamento desses últimos dias também. E no meio dos dois, um outro de 2014, A Hora de Dora. Poderia ter lançado muitos outros, porque poemas feitos não faltam.

Quando decidi que iria ser escritora aos 13 anos de idade, já escrevia poesias e talvez, entre todas as coisas que produzo, é o que me dá mais prazer escrever, declamar e publicar.

Mas a poesia parece um artigo de luxo em nossa sociedade corrida, pragmática, tecnológica. Pode ser até que muita gente goste, mas poucos se importam em adquirir um livro de poemas, e ainda menos dedicarem um tempo a uma leitura poética.

E no entanto, poesia é alívio da alma, fruição do coração, estímulo ao cérebro, catarse da dor – tudo isso para quem faz (e todo mundo pode fazer) e para quem lê.

Desde a minha primeira adolescência, eu era dessas que na volta da escola, sempre que me sobrava um dinheirinho da mesada, passava numa livraria que havia no caminho entre o colégio e minha casa, e comprava um livrinho da Edições de Ouro, que fosse de Castro Alves, Casimiro de Abreu, Mário de Andrade, Cecília Meirelles, Fernando Pessoa. E vinha lendo até em casa.

Depois que mergulhei fartamente em toda a literatura luso brasileira, passei a ler em outras línguas. Poetas alemães, franceses, espanhóis. Os russos também me apeteciam, mas esses só podia ler traduzidos. Lembro-me que aos 15 anos, comprei várias obras de Victor Hugo em francês (que ainda não havia estudado) e procurava palavra por palavra no dicionário, para decifrar os longos e épicos ou líricos poemas do gênio francês. Já aos 16, lia poetas em alemão, como Goethe e Schiller, depois de ter vivido em Berlim e estudado em escolas de lá.

A poesia me encharcava de deleite e imaginar ser poeta, publicar livros, era um sonho fagueiro (para usar uma expressão dos meus românticos prediletos).

A realidade, porém, não é assim tão dourada. Imprimir um livro custa dinheiro. E para mim, até hoje, livro só publicado em e-book, não está publicado. Editoras não se interessam por quem já não é renomado. Para escrever poesia, nunca fui muito incentivada em família, mas por alguns poucos professores e amigos, e sempre senti que muita gente acha que a poesia é supérflua. Que não vende, que não dá dinheiro, que é perda de tempo.

Mas a poesia é uma necessidade, sim. Nessa pandemia, vimos o quanto todas as artes são essenciais, incluindo a sagrada poesia de cada dia.

Por tudo isso, encorajo-me, apesar dos pesares, a publicar livros de poesia, a declamar meus poemas e de outros autores em vídeos diários, que tenho feito na pandemia – o Boas palavras para um bom dia – porque semear poesia é algo que sustenta a força de viver – minha e de outros que se sintonizam no mesmo élan poético.

A poesia também é arma de luta, a palavra que denuncia as mazelas do mundo e anuncia as esperanças que vêm.

Até mesmo nessa coluna (do Jornal GGN), quando não consigo articular a prosa crítica, pelo peso do momento e pelos temas sombrios, me valho do verso cortante, para deixar a rebelião necessária.

Aqui abaixo, um dos poemas desse meu novo livro, Luas Vermelhas, que está disponível no site da Editora Comenius!

 

A salvação da poesia
 
Depois de uma guerra
Sobra poesia?
E enquanto se atura
Uma pandemia?
Sobrevive a poesia?
Mas em tempos de paz suposta
De normalidade torta
Onde se esconde a poesia
No meio da noite fria
Com o irmão da rua?
Como se canta a lua
Com a chacina na favela?
A poesia, onde se esgueira
Ante a criança abusada
Ante o pobre sem beira
E a mulher espancada?
Onde se acha a poesia
Quando a natureza anda abatida?
  
A poesia corre enlouquecida
Ávida de flores e de delicadezas.
A poesia grita proezas
Para reclamar justiça e humanidade,
Para ensaiar beleza e sanidade!
  
Apesar dos pesares
A poesia persiste
Avista estrelas
Na noite triste.
Abre-se em mares
De pranto reparador.
A poesia pode gemer de dor
Mas ainda nos salva do destempero
Abranda o desespero
E nos faz tecer
A cada dia, um caminho
De certo alvorecer...

NOTA: Esse texto foi originalmente publicado no Jornal GGN, em minha coluna Espiritismo Progressista


Ode às mortes inocentes e indecentes (Crianças da Síria e Marielle Franco – presentes!)

Marielle

Será que vale poetar

A morte de um inocente?

Será a poesia um alívio

À revolta que se sente?

 

Quantos milhares de versos

Há que se tecer no mundo

Para explodir em poesia

Um grito de horror profundo?

 

Numa Síria em convulsão

São crianças massacradas,

E nas escolas da América

São crianças fuziladas.

 

São mulheres violentadas,

São negros que morrem mais,

Em toda parte a injustiça

Despedaça a nossa paz!

 

É Marielle que morre!

Nove tiros sem piedade!

Extinta uma voz de luta

Pela paz, pela igualdade!

 

Apesar de meus irmãos,

Os homens que querem paz,

De Jesus, Francisco, Gandhi

Mostrarem como se faz,

 

Preciso dizer que a guerra,

A violência e a injustiça

São obras do homem macho

Que o sangue no mundo atiça.

 

Os exércitos que matam?

A polícia que tortura?

Os governos em confronto?

Corrupção, ditadura?

 

Tudo ou quase tudo é obra

Da virilidade bruta,

Que quer trucidar veados,

E trata a mulher por puta.

 

O mundo ainda se move

Por estruturas brutais!

Foi a história que se fez

Em milênios patriarcais.

 

Eduquemos pois meninas

Delicadas e guerreiras,

Maternas e lutadoras,

Filósofas e parteiras!

 

Mas eduquemos meninos

Convictos na compaixão,

Sem vergonha de pensar

Também com o coração!

 

Meninos que se recusem

A fabricar armamentos,

A lucrar com a desgraça

E a reprimir sentimentos.

 

Homens que jamais aceitem

Bombardear um país,

Atirar numa criança,

Fazendo o mundo infeliz!

 

Homens que saibam enfim

Que tem em si luz divina!

E que em seu ser imortal,

Há uma parte feminina!

 

Saibam todos que Deus pai

É também Deusa materna,

E devemos caminhar

Para uma irmandade eterna!

 

Homens, mulheres do mundo!

Sejamos todos mais ternos,

Abrindo a trilha ao futuro

Com humanos mais fraternos!

 

Não deixemos que essas mortes

Tenham todas sido em vão!

Semeemos nesse mundo

Um pouco de coração!

 


À musa estuprada

The_Rape_of_the_Sabine_Women

O rapto das Sabinas, pintura de Nicolas Poussin

Há indignações tão profundas, que só podem ser expressas em poesia, pelo  menos para mim. Nos últimos meses, no meio do espetáculo constrangedor e bizarro em que o país mergulhou, a mulher brasileira foi alvo das mais absurdas violências: uma presidenta que não cometeu nenhum crime afastada do poder por um bando de criminosos, depois de ter sido xingada por uma parte da população, com as maiores baixarias e depois de ter sido ofendida por um Bolsonaro, que invocou seu torturador, num gesto de fascismo e supremo desrespeito humano; a primeira dama do presidente golpista posta como modelo de “beleza, do lar e recato”; um ministério inteiro só de homens (a maioria envolvidos com corrupção); um fundamentalismo religioso avançando no Estado, ameaçando os direitos da mulher; a visita de um ator machista, de filmes pornô, que nada tem a ver com Educação e que se ufana de ter estuprado uma mulher, no ministério da Educação e, por fim, esse estupro coletivo de uma menina de 16 anos, com direito a espetáculo e aplausos na internet! Onde estamos? Retrocedemos séculos? Ou essas camadas obscuras, nauseantes da sociedade não estavam tão visíveis?

Se uma brasileira é estuprada a cada 11 minutos, isso está aí há muito tempo. Mas de repente, com a ascensão política de uma grande maioria de homens que representam justamente esse tipo de macho cafajeste, opressor e sem respeito pelas mulheres (veja-se o que fizeram com a presidenta, que pode ter os defeitos que tiver como política, mas é um ser humano, uma mulher, mãe, avó), temos todos esses homens medievais saindo das cavernas, para mostrar suas caras.

Para eles e para todos os homens que não são como eles (graças a Deus, há muitos); para as mulheres, as que lutam por dias melhores e para aquelas que assumem o discurso do opressor (infelizmente, há muitas), dedico a poesia abaixo:

À musa estuprada

(Versos sáficos)

 

Na favela, ou presidenta,

No congresso, ou no lar…

Há uma ferida nojenta

Há uma mulher a sangrar!

 

A mulher torturada,

Depois impedida.

A mulher estuprada,

Depois esquecida.

 

A mulher excluída,

Se não for recatada.

A mulher ofendida,

Se não for calada.

 

A mulher minha mãe,

A mulher minha irmã,

A mulher é culpada

Porque ela se expõe.

 

A mulher sufocada

De vestido na igreja,

De saia comprida,

Na burca escondida.

 

A mulher violentada,

Estendida na rua,

Porque é despudorada

Porque é puta e está nua!

 

É sempre a culpada,

É sempre a acusada,

É sempre a julgada,

É sempre a safada!

 

É sempre a piranha,

Que não se acanha

Nunca é culpa do senhor,

Do macho predador!

 

Do poder, exilada,

Se honesta, impedida.

Se esbofeteada,

Porque merecida.

 

É sempre a vadia,

É sempre a que traía!

Mas onde o traidor?

Onde o estuprador?

 

A mulher que trabalha,

Que sempre batalha,

Que raro se ausenta,

Dos seus que amamenta…

 

É a mulher que sustenta

Que tudo já aguenta

Por ela que a vida

Se faz e se alenta.

 

Ó terna guerreira,

Eterna na lida,

Não mais quero à beira,

Calada, escondida!

 

Não mais de olhos roxos

Não mais ensanguentada

Não mais enlameada

Não mais acuada.

 

Homens, sois filhos

Sois pais, sois irmãos

Por que não limpais

Enfim vossas mãos?

Por que não partilhais

Iguais condições?

Por que não espalhais

Honestos corações!

 

Mulheres, não rompamos

Nossas mãos unidas

E sempre as estendamos

Às irmãs mais feridas!

 

Homens e mulheres,

Um mundo mais igual

O respeito natural

E a liberdade afinal!


Quando chega o Natal…

Jesus Children-09

O Natal sempre me pega pelo coração. Seja pela tristeza e pelas saudades por ausentes, mortos e vivos. Seja para me alegrar com a alegria das crianças que amo. Seja porque me lembro (e tenho boas lembranças) de Natais de outras vidas, sobretudo na Alemanha e na Áustria. Seja para me conectar mais fortemente com o homenageado da data.

Já dezembro é um mês que anuncia emoções e balanços. Para mim, especialmente, que é o mês de meu aniversário. Para muitos, que se embebem do espírito natalino, para outros que realmente param par fazer reflexões de fechamento de um ciclo, que é o ano que se vai.

Dezembro, sempre acho um mês leve, festivo, apesar das possíveis nostalgias que nos possam assaltar nas datas de celebração. Apesar do comercialismo abusivo. Mas se permanecermos em nosso eixo de paz e equilíbrio, promovendo pequenas ou grandes alegrias para próximos ou estranhos; se estivermos em sintonia com o Mestre que nasceu e renasce sempre para os homens e as mulheres de boa vontade, o dezembro nevado do norte ou o dezembro ensolarado do sul, será sim um mês de beleza e elevação. Cabe a cada um fazê-lo assim.

Como, para mim, a melhor maneira de celebrar é através da arte, aqui ficam dois poemas meus, feitos por esses dias (e há outros aqui no blog e no meu livro de poesia, recém-lançado, A Hora de Dora,) e uma música chamada “Ich will von Gottes Güte singen” (“Quero cantar a bondade de Deus”) da compositora judia alemã, da primeira metade século XIX, Fanny Mendelssohn Hensel, irmã de Felix Mendelssohn.

 

O Natal que quero

 

Tocam sinos invisíveis

Porque os sinos reais

Nas praças já não se ouvem mais…

 

Cantam anjos que ninguém escuta

Porque há muito barulho no ar

E as crianças não sabem mais cantar…

 

O Natal chega de novo

Mas Jesus quase não é lembrado

Só Papai Noel está na alma do povo…

 

Quero um Natal com sonhos suaves

Com carícias no olhar…

Quero um Natal em que anjos e aves

Nos venham a paz anunciar…

 

Quero um Natal de aconchego

De mãos nas mãos

De corações com corações

E preces ao luar…

 

Quero um Natal de paz na terra

Com a presença de um anjo tutelar

Que venha contar daquela noite

De Jesus menino, em seu primeiro lar…

 

E assim um Natal que se espraie

Pelo mundo, pelo ano, pelo tempo afora

Um Natal que anuncie um amor sem limites

E um Jesus pequenino sempre agora!

 

Quando chegas no Natal

 

E assim nos chegas novamente

Chegas todos os anos, todos os dias

Com teu olhar azulado e paciente…

Esperando nos doar tuas alegrias!

 

Visitas-nos descalço, pés tão mansos,

Com tua túnica azul, resplandecente,

Na voz tens cânticos, remansos,

De braços abertos, complacente!

 

Cochichas doces preces às crianças,

Distribuis sementes e esperanças…

 

Incansável e sereno, altíssimo e brando,

Menino, homem, mestre e irmão,

Vens nas mãos abertas carregando

O próprio coração!

 

Que aprendamos receber-te em nós,

Que saibamos repetir tua voz

De ternura, compaixão, fraternidade

E façamos enfim como tu queres

Uma nova e feliz humanidade!

 

Ich will von Gottes Güte singen

https://www.youtube.com/watch?v=UrRjZD1AcXA


O amor é para sempre…

Fotor-fundo
(Escrevi esses pensamentos, muito sentidos, há alguns anos. Pretendia publicá-los num livro, mas antes que ficarem guardados, na memória do computador, melhor partilhar com outros que, como eu, estejam amadurecendo essa que é a maior herança divina em nós: a capacidade de amar.)

O amor é o oposto da indiferença. O amor nunca tanto faz, com o que o ser amado faz. Por isso se empenha sempre por um fazer de luz.

O amor pode curar, salvar, elevar, educar, regenerar. Mas tudo a longo prazo, pois para se mostrar, atuar e agir, precisa muito ter paciência, perseverar, persistir, muitas, infinitas vezes perdoar… Tudo devagar.

O amor desgovernado, tumultuado pelas paixões, queima os corações, provoca afastamentos, descontentamentos, dilacerações… Por isso, o amor precisa se asserenar, se suavizar, alimentando-se de eternidade!

Mesmo o amor mais forte, mais viril, mais ativo precisa ser feminino… Cuidadoso, gentil, acolhedor, sabendo se esconder para o outro brilhar!

O amor se muda, se adapta, se transforma, se sublima, mas nunca desiste. O amor pode estar triste, agitado, aflito, cansado com os atritos do dia a dia. Mas se for amor, nunca esfria! O amor tudo sofre – diz Paulo – e nunca se acaba. Mesmo ofegante, prossegue; mesmo ferido, perdoa! Mesmo desacreditado, insiste! E mesmo rejeitado, resiste! O amor tudo pode, tudo alcança! Força divina que nos move e nos transfigura! Mesmo ainda misturado aos cascalhos das paixões, sua fonte profunda é sempre pura! E por isso limpa com o tempo os corações!

O amor é o único motivo, o único estímulo, o único impulso suficientemente forte, elevado e belo para nos levar à superação de nós mesmos! Por amor a quem amamos e por amor a Deus, alcançamos a transcendência!

O amor para bem comunicar-se, precisa aprender sutilezas, precisa fazer recuos, precisa ocultar ímpetos e transfigurar angústias! Precisa calar e falar com sinceridade serena, compreensiva, derramando-se muito mais no olhar, que na palavra; muito mais nos gestos, que nas anunciações!

O amor compreende mais que julga! Não se endurece, antes se enternece! Quer mais se doar do que receber! E o tempo todo tece o carinho, que alimenta!

O amor sempre renova a confiança, refaz a esperança, alimenta o otimismo, porque seu horizonte é a eternidade!

O amor é combativo, mas não agressivo! É ativo, mas pacífico! É enérgico, mas suave!

O amor para ser saudável deve ter dignidade, autoestima. Mas para ser pleno, não pode ter orgulho nenhum!

O amor, por amor a quem ama, busca melhorar-se todos os dias, para elevar-se em altura e grandeza, sendo sempre mais digno do ser amado!

O amor só descansa com a perfeição, por isso está sempre à procura… Só se satisfaz com a felicidade, por isso quer sempre mais!

O amor está sempre perto do coração amado, mesmo que este esteja trancado, mesmo que esteja distante! Está perto, nem que seja por uma prece ardente e por um pensamento constante!

O amor quando nasce é uma flor cheia de perfumes e cor, com ilusões de primavera! Mas quando amadurece, é fruto doce, sem ornamentos, alimento perene!

O amor, quanto mais se asserena, mais conquista; quanto mais se desapega, mais se aproxima do ser amado!

Não há um só dia em que o amor não dedique um serviço, um pensamento, uma prece, um algo, em favor de quem ama! Mesmo à distância, mesmo oculto!

O amor desfaz todas as tragédias, desanuvia todas as angústias, cura todos os desequilíbrios, harmoniza todas as almas… O tempo tudo refaz, regenera, reergue, sublima… Só o que sobra para sempre é o amor!

Nada mais doce que um olhar de amor trocado, nada mais confortador que uma vibração de amor permutada. Nada mais apaziguante que uma comunhão de pensamento elevado, projetado para o infinito!

O amor inventa sempre novos caminhos, não se conforma com obstáculos… Caminhos que chegam ao coração, caminhos que levam ao céu!

O amor sempre encontra um ponto de equilíbrio, um consenso confortável, uma sintonia fina… E o arremate das piores situações será sempre uma costura de bom gosto!

O amor é delicado como uma flor, forte como uma rocha, vasto como o universo! Por isso, não cabe apenas no corpo, não cabe apenas numa vida! É necessário que seja infinito! Lógico que seja eterno!

O amor pode se melhorar, pode se elevar, se transformar, se sublimar… Perder sensualidade e ganhar asas; desfazer-se do feminino e do masculino e ser divino… O amor pode até ficar guardado por um tempo até a próxima esquina da vida… Mas se for amor, nunca termina.

O amor está sempre conectado com o ser amado. Lê seu olhar, percebe sua alma, capta seu coração. O amor é lúcido, desperto, vidente. Não para controlar, tomar posse, mas para estar ao lado, estar dentro, estar em ressonância. A postos para proteger, servir, ajudar e se ofertar.

O amor se entrega inteiro, confia, se abre. Mas sem deixar de ser reto nos princípios, elevado nos propósitos, correto na ação

Podem surgir desavenças, o amor as supera! Podem se erguer ofensas, o amor as perdoa! Podem se formar mágoas, o amor as desfaz! Para o amor, qualquer sombra é tempestade passageira e a bonança volta sempre a brilhar!

Não há dor que o amor não cure! Não há mal que o amor não desmanche! Não há escuridão que o amor não ilumine! Não há queda que o amor não restaure! E seu único aliado é o tempo. Por isso, o amor é infinitamente paciente

O amor tem que tornar melhor quem ama e quem é amado. Se não torna (ou se torna pior) não é ainda amor.

O amor pode se sentir impotente, rejeitado, diante de um coração trancado, ensimesmado numa concha de solidão! Mas então, o amor tem sempre que continuar amando, aguardando brechas de entrada, uma estrada, um clarão… E pouco a pouco se abre o outro coração!

O amor pleno sereno, inteiro, é aquele que percebe cada sutil necessidade, cada mensagem calada, cada aceno do ser amado. Percebe, compreende e age. Mas é preciso caminhar muitos séculos juntos, é preciso se desfazer de muitos egos para que o amor seja assim.

Quando o amor está presente, nenhum dia passa inútil e cada problema revela uma lição!

Quando não é compreendido, o amor compreende mil vezes, até que o outro alcance a compreensão!

O amor nada faz de banal, não fica na superfície, não age com leviandade. Por isso desmancha o mal e lida com a verdade. Por isso não é mesmice e com energia e meiguice se lança na eternidade!

Nem tudo o que sabe, o amor fala, porque não faz falta. Nem tudo o que faz o amor fala, porque não se exalta. Nem tudo o que dói o amor fala, sem mágoa incauta. E quando o amor cala, sua luz brilha mais alta!

Amar, amar, amar é a única maneira de ir se esquecendo de si! E quando se esquece completamente, o amor encontra Deus!

O amor ensina, sem ofuscar e aprende, com gratidão!

Quando se está possuído de amor, os pés andam mais leves, o coração alado e o ar mais rarefeito. Mesmo que às vezes, pesem a caminhada, o coração e o ar, logo tudo se desanuvia e o céu claro logo de novo se anuncia!

Entender como o outro expressa amor e saber fazer chegar ao outro o nosso amor é alcançar o milagre da comunicação.

O amor não precisa ter medo de amar mesmo que o outro não ame, mesmo que o outro ame menos. O amor não precisa ter medo de amar o diferente, o oposto, o desaprovado, o endurecido… Pois o amor transpõe qualquer barreira e um dia alcançará a plena comunhão!

O amor saberá tornar a franqueza tão doce, que não fira… Saberá usar a crítica com tanto acolhimento que não afaste… O amor não faltará jamais à verdade mas não há de buscar seus interesses e não a vestirá como arma, sendo-lhe ao invés uma túnica sutil!

O amor não se deixa aprisionar pela rotina seca do cotidiano! Ao invés, resgata a flor, a poesia, o sorriso e o toque suave das mãos!

Quantos espinhos o amor precisa colher na terra, por breves momentos de sintonia plena! Mas sempre esperando a certeza de uma eternidade de comunhão!

Quando o amor é muito grande e se vê no inferno, não desiste, resiste, insiste, mesmo triste! E de salto em salto (porque se sabe eterno) se faz fraterno e afinal se dilata tanto, regado a pranto, que se alcança materno!

Quando o amor nasce materno, doce, sem nuvens, já nasce eterno, mas não evita a luta, a labuta… Então precisa apenas secar o pranto, aceitar as penas e de alma enxuta, persistir para sempre, como anjo sem desencanto!

O amor restaura pacientemente o que se quebrou. Dá asas aos que se arrastam, fazendo de vermes borboletas, fazendo de homens, anjos.

O amor não se agasta, não se gasta, nunca se afasta e só doar-se já lhe basta.

A colheita do amor é farta, exuberante, ensolarada. Alimenta e conforta. Quando vem, falta nada. Apenas um pleno bem escancara a porta.

Quando não se cobra, o amor dá de sobra. Quando não se apega, o amor transborda pleno, doce e sereno. Quando se respeita e nenhum ciúme à espreita e quando se entrega inteiro, sem medidas, floresce singelo, campestre, como margaridas.

Amar sem posse é amar mais. Amar melhor. Amar em paz. Amar sem desejo de nada, recebendo o que se deseja, de mão sobeja.


17 de junho de 2013, o dia em que o Gigante acordou

bandeira-brasil-620x310

 

Num momento em que explodem as insatisfações seculares de um povo, que já não aguenta mais o cinismo das classes dominantes, apenas podemos manifestar melhor nossa adesão, através de um poema, que grite na internet, como nas ruas está gritando o povo!

Não são os vinte centavos
Que movem as multidões
E assombram nosso congresso
e assolam os corações!
 
São séculos de opressão
Inesgotáveis impostos
Corrupção sem fronteiras
E cínicos sempre a postos!
 
É nosso trabalho escravo
Sustentado vis Sarneys
É nossa descrença crônica
Na equidade das leis!
 
São as crianças nas ruas
São hospitais em pedaços
São escolas depredadas
E os políticos devassos!
 
Não é um partido ou outro
É uma casta que domina
Desde o Império à República
E nossa esperança mina!
 
O povo se movimenta
Nas ruas embandeiradas
E nasce em nós a centelha
De esperanças tão guardadas!
 
Esperanças de um Brasil
De justiça repartida
De igualdade verdadeira
E de infância protegida!
 
Não são os vinte centavos
Que movem as multidões
Mas é a esperança escondida
Que agita nossas visões!
 
A medida derramou
O gigante se mexeu
Façamos a nossa parte
Eles, nós, vocês e eu!

Pela maioridade do Bem (Invocação a Castro Alves)

Imagem

Às vezes, argumentos não bastam. Números, fatos, dados objetivos não conseguem abrir caminho na opinião obstinada, que se cristalizou num dogma. Há uma multidão de pessoas, que estão gritando pela redução da maioridade penal. Já argumentei, já mostrei números, artigos interessantes e as pessoas simplesmente não ouvem. Então, estou lançando mão da poesia. Fiz um apelo ao grande poeta Castro Alves, inflamado pelas causas sociais, sobretudo a do escravo. Muitas das crianças e adolescentes, que hoje estão na criminalidade – marginalizadas socialmente, que não tiveram acesso à educação e aos direitos fundamentais do ser humano – são remanescentes históricos da escravidão. Para clamar contra a injustiça, poetemos à Castro Alves!

Que ouço? Reclamam vozes

Rigores e punição

Ventam palavras ferozes                             

Endurece-se a nação!

 

Que a cadeia irrevogável

Encarcere o vil bandido

Nada seja perdoável

Brada o povo em alarido!

 

A mídia esse coro orquestra

Moldando as opiniões!

A demagógica mestra

Que põe na praça os vilões!

 

Mas quem são os acusados

Por tantos dedos hostis?

Onde estão acobertados

Nesses múltiplos Brasis?

 

Será aquele que trata

Como escravo um boliviano?

Ou o que infesta de mamata

O Congresso de ano a ano?

 

Será o que expulsa e que mata

Famílias do Pinheirinho?

Será o que não se retrata

Por torturar num cantinho?

 

Será talvez o assassino

Da missionária caída?

Ou o que violou um menino

Despedaçando-lhe a vida?

 

Serão os grandes senhores

De feudos descomunais

De escravidões e de horrores

De tempos coloniais?

 

Não! Nenhum destes, ó Musa!

Persegue a mídia e a nação!

Nenhum destes que se acusa

Com tanto rigor e agressão!

 

Querem justiça implacável

Com quem sem justiça nasceu!

Nenhuma lei maleável

A quem nada tem de seu!

  

Pobre, negro, quem na rua

Teve por casa a calçada,

E sem mãe, de vida nua,

Teve sua alma estuprada!

 

Aos meninos delinquentes

A punição exemplar!

Eles que ainda sem dentes

Só sabiam apanhar…

 

Pois apanhem de um padrasto,

Que o pai está na prisão!

Menino, siga o seu rastro,

É o que deseja a nação!

 

Perpetua-se a violência

Com mais violência e rancor!

Poderá haver decência

Numa nação sem amor?

 

Meninos querem afeto

Mesmo de armas na mão,

Foi a vida num deserto

Que pôs suas almas no chão!

 

Ó Musa, chama o poeta

Que cantou a abolição!

E faz que sua voz dileta

Diga por mim: compaixão!

 

Ao invés de mais cadeias

Que são escolas de crime

Semeemos a mancheias

A educação que redime!

 

Escolas de liberdade

Em militância no bem!

Justiça, paz, igualdade

Que nada falte a ninguém!

 

Musas, Deuses, Mestres, Guias!

Poetas de hoje e de além!

Calem-se as vozes sombrias

Cantemos vozes do Bem!

 


Meditações e prece de Natal

jesus-come-follow-me1

É verdade que, historicamente, o Natal não é a data exata do nascimento de Jesus. É verdade que a narrativa da manjedoura, dos reis magos, da estrela de Belém, do descendente de Davi é uma história mítica, arranjada para provar que Jesus era o Messias esperado pelos judeus. Não houve recenseamento, não foi preciso que o carpinteiro José se deslocasse de Nazaré e fosse com sua esposa se apresentar em Belém. Mesmo porque se os romanos fizessem um recenseamento do seu Império, não lhes interessaria contar os judeus pela sua descendência. (Na história bíblica, José como descendente de Davi teria de se apresentar para o recenseamento em Belém.)

Provavelmente, Jesus nasceu em Nazaré, viveu tranquilamente em sua aldeia, aprendeu o ofício de seu pai. Não precisou buscar refúgio no Egito. Mas tudo isso apenas aumenta sua grandeza: um filho de carpinteiro, crescido numa aldeia obscura, num recanto do Império romano, ergueu a voz de sua mensagem e transformou o mundo.

É verdade também que o Natal se tornou no mundo cristão uma data comercial, para compra de presentes, para movimentar o mercado, para aguçar o consumo. Que o seu personagem anda longe dos pensamentos, distante dos corações, apagado dos atos da maioria das pessoas.

É verdade, é verdade.

Mas é verdade também que o Natal tem uma poesia toda sua…o presépio pode ser mítico, mas é um símbolo de humildade e acolhimento. A data pode não ser a correta, mas como ao longo dos séculos muitos pensaram em Jesus nesse dia e procuraram conexão com ele, a noite natalina ficou impregnada de devoção e alegria.

A verdade é que a figura de Jesus paira acima dos séculos, acima dos mitos, acima do comércio, emanando amor em seu olhar, que abarca o mundo inteiro.

É verdade que a sua mensagem de paz e fraternidade permanece insuperável, como um apelo permanente aos corações de boa vontade, cristãos ou não cristãos.

Seu coração amoroso vibra ainda pela humanidade e nos acompanha de longe e de perto.

Por isso, dedico como sempre um poema de Natal ao Mestre carpinteiro, ao Mestre de Nazaré, ao Mestre da humildade e da paz!

Prece de Natal
 
Podem os homens da terra
Semear flores de sangue
Mas tua paz invisível medra
Na alma do povo exangue…
 
Podem as criaturas
Retalhar a natureza
Acinzentar o horizonte
Mas envias sempre uma alma pura
trazendo a delicadeza
de um gesto oculto que cura.
 
Podem os incautos
Mancharem a esperança
Propagarem a maldade
Exaltarem a ganância
Ferirem o coração de uma criança,
Pondo espinhos num coração de mãe.
Mas tu levantas o caído
Amparas o traidor e o traído.
Desfazes toda dureza
E restauras a bonança.
 
O séculos se sucedem
E teus pés percorrem sempre
As pedras de nosso mundo
E semeias de passagem
O sonho de nova paisagem
As lágrimas de amor profundo
Com que nos tocas a vida.
 
Podem os percalços
em minha alma dolorida
fazer sulcos de tristeza,
mas nada pode arrancar
a doçura e a beleza
desse teu macio olhar…
 
Estás sempre aí,
Além, aquém, aqui…
Como rocha milenar
Ancorando nossa esperança
De um reino que não há de acabar…
Estás acima do tempo
Para que façamos dele
Um tecido de estrelas a raiar
 
Podem os fanáticos
Fazer de ti um mito sem rosto,
Um rei de cetro e com gosto
De tirania celeste.
Mas tu ainda nos lavas os pés
E neste gesto nos deste
A glória de muitas fés.
 
Mestre, sábio, sublime irmão,
Estás bem perto de nós
E basta abrir uma brecha
No cansado coração
Para ouvirmos o sussurro de tua voz!
 
Vem aqui, querido Jesus Cristinho
E encontra um lugar, um ninho,
Dentro de nossas casas…
E então teremos asas
Para voar acima dos montes
Abrir azuis horizontes
E enfim, amado amigo,
Sermos assim um contigo!

Liberte a Criança!

 

 

Mais do que encher as crianças de presentes e de balas, poderíamos aproveitar esse dia para uma reflexão profunda do lugar que a criança ocupa em nossa sociedade. Precisamos urgentemente promover a abolição da escravatura da criança.

Explico. A criança não tem voz, não tem querer, não tem direito a falar nada, a escolher nada. Sob a tutela do adulto, que ao invés de lhe estimular a autonomia, o crescimento, a vontade própria, só deseja dela uma única virtude: obediência.

A escola é um local de formatação obrigatória das mentes para a obediência em massa, para a sujeição do espírito a um programa medíocre, empobrecedor, em que todas as crianças devem se comportar da mesma maneira, aprendendo as mesmas coisas sem sentido para elas, da mesma forma, ao mesmo tempo, com o mesmo resultado. O principal que se ensina na escola é a competição entre os alunos, a necessidade de obedecer regras que não se sabe quem fez e para quê, a atitude de silêncio e não questionamento. Os conteúdos são esquecidos e passam. O comportamento imposto é para a vida.

As crianças são pessoas criativas, curiosas, sensíveis, amorosas, plenas de senso de justiça. Após o massacre sofrido por anos na escola, elas se tornam adolescentes apáticos, desinteressados, fechados e desiludidos com o aprender e o viver. A escola, coadjuvada pelos pais, mata a pessoa gradativamente; arranca-lhe toda capacidade perguntadeira, toda sensibilidade, e embota o raciocínio com um amontoado de conteúdos sem nexo, sem finalidade, que ao final do vestibular, a maioria de nós esqueceu completamente.

Esse processo tem começado cada vez mais cedo e cada vez de maneira mais feroz. Tenho uma amiga muito querida que trabalha na educação infantil em Santos e está enfrentando uma perseguição absurda porque se rebelou contra o fato das professoras colocarem crianças de 2, 3, 4 anos de castigo, infringindo aliás o Estatuto da Criança e do Adolescente – que proíbe que a criança sofra humilhação e constrangimento. Dizem as professoras – com o apoio da direção e da coordenação – que as crianças foram colocadas “para pensar”! Uma criança de 3 anos “pensando” num canto da sala!! E todo mundo acha que isso é normal, que faz bem, que “impõe limites”. De início, já estamos transformando o ato da reflexão num castigo. Segundo, estamos com isso arrancando a dignidade da criança, que sempre tem de estar em posição de submissão e obediência ao adulto. O caso dessa minha amiga foi levado para a Secretaria de Educação e ela não foi apoiada. Foi posta para fora da sala de aula, por tirar uma criança do castigo!

E o que querem as crianças? Correr, brincar, explorar, fazer fluir sua intensa energia. E o que querem os professores, a escola, o governo, os pais? Fazer com que elas fiquem quietinhas, caladinhas, em fila, obedientes, fazendo atividades que os adultos planejaram, geralmente pobres e desinteressantes.

O que querem as crianças? Perguntar, saber, apalpar a vida, beber a existência, abrir-se para o mundo… O que querem os adultos? Que elas se enquadrem, quanto mais cedo melhor, num sistema de vida em que ficar calado, não questionar, não criticar, não ser livre é a única opção.

A consequência disso já estamos assistindo: para submeter as novas gerações, cada vez mais inquietas e não sujeitas a esse tipo de domesticação, é preciso usar de meios mais poderosos de contenção – mais autoritarismo e agora temos os remédios que ajudam a manter a criança submissa. Outra amiga minha, que trabalha numa Ong, recebe encaminhamento de professoras da educação infantil para médicos e psicólogos porque “elas só querem brincar”, “não param quietas”… Que coisa! Crianças querendo brincar! Isso é um crime ou uma doença! Temos de reprimi-las rapidamente!

No final da educação infantil, agora temos a provinha Brasil, mais um instrumento de enquadramento da infância e um empenho em tornar já a educação infantil um processo de escolarização massacrante, que antes só começava mais fortemente aos 7 anos. Terem passado o primeiro ano para 6 anos é outro sintoma de enquadramento cada vez mais precoce da infância nos parâmetros formatadores da escola. Tenho um sobrinho de 6 anos que já está fazendo “provas”, para meu desgosto absoluto.

Depois disso tudo, vemos alunos querendo bater em professores e as pessoas se espantam, querem chamar a polícia (aliás já chamaram até para crianças de 3 anos)… quando o que acontece e vai acontecer cada vez mais é que este modelo de imposição promovido pela escola gera apenas duas atitudes possíveis: apatia ou revolta. O estado que se estabelece na escola tradicional é um estado de guerra permanente: os professores tentando conter, disciplinar, submeter, obter estudo entediante e compulsório. Os alunos tentando escapar pela divagação, pelo sonho, pela revolta – mais tarde, pode até ser pela droga e pela violência (dependendo das condições familiares e sociais).

Quem assistiu ao maravilhoso filme “Educación Prohibida” poderá constatar que crianças que vão a escolas livres, onde são respeitadas, estimuladas, tratadas como seres pensantes e sensíveis e não como números submissos, têm um desenvolvimento harmonioso, bonito, rápido. Não há violência, guerra, escapismo, onde há liberdade, amor, escolha, estímulo. Onde educadores e educandos têm cumplicidade, amizade, não há risco de violência, conflitos e desrespeito. Eu trabalhei 15 anos em escolas particulares e públicas, em São Paulo e no interior, com crianças desde 2 anos até adolescentes. Nunca um aluno me desrespeitou. Só recebi entusiástico afeto, porque só semeei intenso afeto por elas e respeito como pessoas com vontade e pensamento próprio. Nunca fiquei nas salas dos professores, falando mal dos alunos e escolhendo alguns para serem os bodes expiatórios da escola: os tais alunos-problemas, rotulados, com diagnóstico inapelável de “sem solução”. Ao invés, esses foram sempre os que mais me interessaram e com quem criei mais profundo vínculo. Porque geralmente são os que mais se rebelam contra o sistema.

É claro que teremos assim professores frustrados, doentes, esgotados. É um esforço hercúleo tentar submeter o tempo inteiro a energia vital, a ânsia de autonomia das novas gerações e impor-lhes o remédio amargo de conteúdos prontos, pasteurizados, desinteressantes, de uma lousa sem graça, de um prédio cinza. (Outra amiga minha que dá aula numa escola de periferia em São Paulo no Ensino Fundamental chorou ao me contar que um dia um aluno, que tinha um pai preso, lhe disse olhando em volta da sala: “Prô, você já viu que a nossa escola é igual a uma prisão?”)

 Alguns professores se rebelam, querem outra coisa, mas são tragados pelo sistema, como essa minha amiga acima. Outros sucumbem à depressão, têm que sair fora, para poderem se tratar. Mas muitos estão convencidos de que deve ser assim mesmo – são instrumentos inconscientes da opressão da infância e do adolescente. Adotam o discurso do autoritarismo, sem perceber que também eles se tornam uma peça de um sistema, em que eles próprios não têm querer, não tem respeito, não são valorizados. Esses são aqueles que vão passar esses e-mails irritantes, querendo criminalizar o “desrespeito” dos alunos aos professores ou admirando o sistema oriental de “educação”, onde o indivíduo vale menos ainda e está sendo treinado para a obediência absoluta ao sistema.

Enfim, estou aqui transbordando minha extrema indignação com o que a sociedade, a escola, a família, fazem com as crianças. Elas precisam de espaço vital, de espaço para brincarem, aprenderem por si mesmas, explorarem a vida! Precisam de espaço mental, para pensarem, discordarem, perguntarem, serem elas mesmas – cada uma com sua riqueza singular!

A criança é um ser subversivo ao sistema estabelecido. Ela questiona, ela inquieta, ela pergunta, ela tem uma energia transbordante, ela não se enquadra em parâmetros. Por isso, querem matá-la o quanto antes e transformá-la num adultozinho bem comportado e estudioso, calado e obediente. Assim, será mais fácil fazer desse ser humano uma peça descartável num sistema político, social e econômico que não valoriza a pessoa, mas apenas o lucro, o poder e o consumo.

Semear a escola de lírios e jasmins,
Caramanchões de flores,
Caminhos perfumados…
E árvores, muitas árvores,
Dessas sob as quais podemos nos abrigar do sol,
Daquelas que podemos subir e comer os frutos,
E ainda as que podemos abraçar e sentir a seiva da vida.
 
Semear a escola de crianças correndo
De crianças sorrindo
De crianças perguntadeiras, de olhos brilhantes,
De crianças inventadeiras, dessas que inventam moda,
Dessas que querem sempre mais,
Que nunca param, que nunca se conformam….
 
Semear a escola de pessoas felizes,
De educadores amorosos, entusiastas, carismáticos,
Desses que gostam de se sentar no chão,
De contar histórias, de tocar violão,
De brincar na terra e de plantar no coração.
Daqueles que têm ainda nos olhos uma criança perguntadeira,
Daqueles que querem saber de tudo e nunca acham que sabem tudo.
 
Quando a escola for esse jardim,
Me chamem para nela habitar
E o mundo terá virado um lugar
Semeado de paz.

 

 


Manifesto pelo colo

Para os tecnicistas desumanizados de plantão, para os que medicalizam a educação, para os que não querem ter trabalho ao cuidar das crianças, para os que temem se envolver emocionalmente com bebês e crianças (como se isso fosse possível e desejável!), para os que colocam as regras institucionais acima das carências humanas, para os que não entendem nada do sentimento humano de aconchego… para esses que negam ou acham que devem negar ou mandam que outros neguem o sagrado dom do colo para as crianças, vai esse manifesto poético.

Bebês precisam de colo, crianças precisam de toque e carinho, suavidade e afeto. Todos precisamos. Mas a criança precisa disso para se desenvolver bem, saudável, confiante, tranquila. Não se acostuma mal a criança por se dar colo. Ao contrário, acostuma-se mal quando não se dá. Ela experimenta a sensação de abandono, frieza, desconforto. Não se sente amada e protegida. Como nos comunicamos com um bebê? Em primeiro lugar através do toque, do abraço, do afago; depois da tonalidade amável e doce da voz… Precisamos recuperar essa sensibilidade instintiva que a nossa civilização tecnocrata abafou e proibiu.

Sim, bebês e crianças pequenas querem, pedem e precisam de COLO! Vamos oferecer o nosso e isso nos fará muito bem!

A semente que será
Árvore vinda do solo,
O que é que a terra lhe faz?
Acolhe-a e lhe dá colo!
 
As aves que vão e vêm
No mundo de polo a polo,
Nos ninhos sob suas asas
Aos seus filhotes dão colo…
 
A cadela vigorosa
Com que no jardim eu rolo,
Como mãe se transfigura,
Lambendo a cria, dá colo!
 
O pinguim na fria neve,
A águia em seu voo solo,
A leoa na campina,
Aos seus rebentos dão colo!
 
E eu como humano adulto
Se em sofrimento me esfolo
Que mais queria ganhar
Que um quente e materno colo?
 
Filhotes, crianças, homens,
Tudo o que vive e respira,
Quer aconchego e carinho
E não dureza que fira!
 
O bebezinho quer colo
E a criança, ser tocada
Porque é só no pele a pele
Que se saberá amada!
 
Não há choro, não há dor
Nem birra, nem gritaria,
Que um toque suave e terno
Não transforme em calmaria!
 
A criança respeitada
Acalentada, cuidada,
Acolhida o tempo todo,
É criança equilibrada!
 
Nada de teses frias
E os adultos no embaraço!
A criança quer afeto
Com toque, beijo e abraço!
 
Para fazermos do mundo
Um lugar acolhedor,
Saibamos dar às crianças
O nosso colo de amor!