Arquivo do mês: dezembro 2020

Podemos desejar feliz Natal nesse 2020?

covid-jesus

Natal de 2020. Quisera ter braços e presença para abraçar todos os que amo, os amigos próximos e distantes e mesmo os supostos adversários. Pois somos todos humanos, frágeis, nesse barco terrestre, em meio a tempestades, nevoeiros e zonas de incerteza e obscuridade.

Quisera ter voz e escrita com o alcance da consolação e da esperança para todos os que estão adoecidos física ou psiquicamente com a pandemia, com o isolamento, com o empobrecimento, com a perplexidade que nos assola.

Quisera ter colo para oferecer a todas as crianças do mundo, as que estão trancafiadas em casa, as que estão refugiadas, as que estão em fome e necessidades tantas… 

Quisera… quisera… poder anunciar aqui nesse texto notícias alvissareiras: o fim das violências contra qualquer ser humano, contra qualquer ser vivo, o cessar fogo contra a natureza que se arrebenta pela exploração, pelo desmatamento, pela terra arrasada. 

Quisera poder falar da queda de todos os governos que aviltam o planeta, de todos os bancos que extorquem nossas vidas, de todos os privilégios de meia dúzia de bilionários do mundo e proclamar uma sociedade fraterna, justa, igualitária, universal… de mãos unidas entre todos os povos.

Quisera afinal poder desejar um feliz Natal… mas sabemos que não será feliz. Com tantas mortes, com tantos abusos, com tantas perversidades, com tantas más notícias… Será necessariamente um Natal enlutado. Mesmo assim, podemos transformá-lo numa experiência meditativa e espiritual, que nos reconforte.

Como? Em primeiro lugar, conectando nossos corações com o personagem central do Natal – aquele que a civilização dita cristã diz seguir, mas está longe de compreender e aplicar sua proposta ética. Uma ética de inclusão, de amor, de perdão, de solidariedade e paz.

Nessa ética, nessa mensagem, nesse exemplo está uma luz que nos mostra um caminho de solução para nossos impasses. Luz que muitos ainda consideram utópica. Tantos não conseguem nem se reconciliar com os que amam num espírito natalino, outros tantos não enxergam como possíveis caminhos para nosso planeta proposições que consideram piegas, como compaixão, fraternidade e acolhimento.

Mas, sim, é essa ética que propôs Jesus que pode nos salvar do caos, da barbárie, da injustiça. Jesus, um personagem histórico que não deve estar encarcerado aos dogmas e às interpretações sectárias das igrejas, mas pode ser entendido como um ser humano, cuja transcendência, renúncia, entrega e amor continuam sendo um alta inspiração para as almas que anseiam pelo Reino da bondade nesse mundo.

Desapego dos bens terrenos, reconciliação entre todos e todas, perdão irrestrito, compaixão para com os que estão em sofrimento, trabalho incessante de serviço ao próximo, mesmo com perda em interesses próprios e egoístas, lutas por causas humanitárias, ecológicas, para transformações estruturais da sociedade… eis a receita para superarmos o capitalismo, o patriarcado, a miséria e todas as mazelas do mundo.

A recente encíclica do Papa Francisco Fratelli Tutti(Todos irmãos) – finalmente um Papa que consegue falar com cristãos e não cristãos – faz um diagnóstico preciso e brilhante de todos os problemas que devastam a terra e a nossa humanidade. E apresenta justamente uma proposta de superação, com essa ética de Jesus, exemplificada por Francisco de Assis, grande inspirador das ideais de Francisco de Roma. 

Que posso dizer então, nesse texto natalino? Ressaltar que em meio à avalanche de notícias pesadas que tivemos em 2020, foi publicada uma encíclica luminosa como essa, tivemos muitas lideranças no Brasil e no mundo na resistência contra o retrocesso da liberdade, da ciência, do amor ao próximo. Gente que sofreu, trabalhou, se entregou, fez a diferença. Cientistas, médicos e médias, enfermeiros e enfermeiras e pessoas da saúde em geral, lutando de corpo e alma, para combater o Covid, para descobrir tratamentos, vacinas, ou mesmo para pegar nas mãos dos moribundos, afastados da família, para que sua morte não fosse totalmente solitária. 

Artistas que se viraram do avesso para sobreviver à crise, iluminando lives de música, teatro, dança, poesia… e trazendo à nossas almas aquilo que realmente importa.

Professores que se esfolaram para aprender de última hora como mexer com o Zoom ou outras plataformas, outros tentando passar alguma coisa pelo mero Whatsapp, no caso das crianças que não têm acesso a computadores. 

Jornalistas corajosos, que denunciaram, apontaram as calamidades, brigaram pela verdade, contra tantas Fake News que manipulam a população – mesmo enfrentando processos injustos e até ameaças de morte. 

Pessoas de todas as profissões, exploradas por um capitalismo selvagem, como os entregadores de comida – só para citar um dos grupos em maior evidência no momento – que não só contribuíram para manutenção do funcionamento social, mas começaram a se organizar politicamente e ganharam consciência de classe. 

Negros de todas as partes do planeta, mas sobretudo dos EUA e do Brasil, que apesar das violências inomináveis sofridas, não descansaram um minuto na missão de denunciar, reivindicar, lutar… #vidasnegrasimportam, encerrando o ano aqui com o emocionante filme AmarElo, do Emicida, uma verdadeiro libelo pela retificação histórica dessa vergonha nacional que foi a escravidão e continua sendo o racismo entre nós.

Psicólogos, terapeutas, psicanalistas – que trataram a preços módicos ou gratuitamente – as pessoas em depressão, em surto, em grandes urgências psíquicas, provocadas pela pandemia, pelos lutos complicados, pelas violências aumentadas. 

Poderíamos estender indefinidamente as multidões de seres humanos do bem, que estão alinhados com a ética de Jesus. 

Lamentamos por aqueles que não cumpriram seu dever humano, cívico, moral de cuidar, proteger, acudir, providenciar medidas que pudessem minimizar a desgraça da pandemia e ainda aprofundaram nossas dores com todo tipo de violência verbal e atos contrários à justiça e à dignidade humana. 

Mas resistimos. Sobrevivemos. Para mim, que tenho convicção e fortes evidências de que a vida continua depois da morte, mesmo aqueles que se foram em meio a esse caos da pandemia, seguirão conosco, trabalhando em outro plano para mudarmos esse cenário terreno. 

Por isso tudo, e apesar de tudo, desejo que nesse Natal, possamos ter pelo menos um pensamento de paz, uma oração sincera (para aqueles que creem) e uma vibração de amor por toda a humanidade! 

*Texto originalmente publicado no Jornal GGN – em minha coluna Espiritismo Progressista


A salvação da poesia

book with autumn leaf on blanket at home

Na semana passada, dia 4 de dezembro, completei 58 anos e lancei meu 45º livro. Isso contando com os livros de minha inteira autoria, e ainda os organizados, os traduzidos, os psicografados. Esse último lançamento é de poesia – Luas vermelhas, poemas de outono– entre outros sobre educação, espiritismo, espiritualidade, infanto-juvenis, didáticos e paradidáticos. De tudo um pouco. Não estão entre esses 45 títulos, os tantos outros editados por mim, pela Editora Comenius.

Queria comentar sobre lançar livros de poesia – o primeiro que publiquei, aos 19 anos, Chamas de Paz, foi de poesia, o lançamento desses últimos dias também. E no meio dos dois, um outro de 2014, A Hora de Dora. Poderia ter lançado muitos outros, porque poemas feitos não faltam.

Quando decidi que iria ser escritora aos 13 anos de idade, já escrevia poesias e talvez, entre todas as coisas que produzo, é o que me dá mais prazer escrever, declamar e publicar.

Mas a poesia parece um artigo de luxo em nossa sociedade corrida, pragmática, tecnológica. Pode ser até que muita gente goste, mas poucos se importam em adquirir um livro de poemas, e ainda menos dedicarem um tempo a uma leitura poética.

E no entanto, poesia é alívio da alma, fruição do coração, estímulo ao cérebro, catarse da dor – tudo isso para quem faz (e todo mundo pode fazer) e para quem lê.

Desde a minha primeira adolescência, eu era dessas que na volta da escola, sempre que me sobrava um dinheirinho da mesada, passava numa livraria que havia no caminho entre o colégio e minha casa, e comprava um livrinho da Edições de Ouro, que fosse de Castro Alves, Casimiro de Abreu, Mário de Andrade, Cecília Meirelles, Fernando Pessoa. E vinha lendo até em casa.

Depois que mergulhei fartamente em toda a literatura luso brasileira, passei a ler em outras línguas. Poetas alemães, franceses, espanhóis. Os russos também me apeteciam, mas esses só podia ler traduzidos. Lembro-me que aos 15 anos, comprei várias obras de Victor Hugo em francês (que ainda não havia estudado) e procurava palavra por palavra no dicionário, para decifrar os longos e épicos ou líricos poemas do gênio francês. Já aos 16, lia poetas em alemão, como Goethe e Schiller, depois de ter vivido em Berlim e estudado em escolas de lá.

A poesia me encharcava de deleite e imaginar ser poeta, publicar livros, era um sonho fagueiro (para usar uma expressão dos meus românticos prediletos).

A realidade, porém, não é assim tão dourada. Imprimir um livro custa dinheiro. E para mim, até hoje, livro só publicado em e-book, não está publicado. Editoras não se interessam por quem já não é renomado. Para escrever poesia, nunca fui muito incentivada em família, mas por alguns poucos professores e amigos, e sempre senti que muita gente acha que a poesia é supérflua. Que não vende, que não dá dinheiro, que é perda de tempo.

Mas a poesia é uma necessidade, sim. Nessa pandemia, vimos o quanto todas as artes são essenciais, incluindo a sagrada poesia de cada dia.

Por tudo isso, encorajo-me, apesar dos pesares, a publicar livros de poesia, a declamar meus poemas e de outros autores em vídeos diários, que tenho feito na pandemia – o Boas palavras para um bom dia – porque semear poesia é algo que sustenta a força de viver – minha e de outros que se sintonizam no mesmo élan poético.

A poesia também é arma de luta, a palavra que denuncia as mazelas do mundo e anuncia as esperanças que vêm.

Até mesmo nessa coluna (do Jornal GGN), quando não consigo articular a prosa crítica, pelo peso do momento e pelos temas sombrios, me valho do verso cortante, para deixar a rebelião necessária.

Aqui abaixo, um dos poemas desse meu novo livro, Luas Vermelhas, que está disponível no site da Editora Comenius!

 

A salvação da poesia
 
Depois de uma guerra
Sobra poesia?
E enquanto se atura
Uma pandemia?
Sobrevive a poesia?
Mas em tempos de paz suposta
De normalidade torta
Onde se esconde a poesia
No meio da noite fria
Com o irmão da rua?
Como se canta a lua
Com a chacina na favela?
A poesia, onde se esgueira
Ante a criança abusada
Ante o pobre sem beira
E a mulher espancada?
Onde se acha a poesia
Quando a natureza anda abatida?
  
A poesia corre enlouquecida
Ávida de flores e de delicadezas.
A poesia grita proezas
Para reclamar justiça e humanidade,
Para ensaiar beleza e sanidade!
  
Apesar dos pesares
A poesia persiste
Avista estrelas
Na noite triste.
Abre-se em mares
De pranto reparador.
A poesia pode gemer de dor
Mas ainda nos salva do destempero
Abranda o desespero
E nos faz tecer
A cada dia, um caminho
De certo alvorecer...

NOTA: Esse texto foi originalmente publicado no Jornal GGN, em minha coluna Espiritismo Progressista