Arquivo do mês: junho 2011

Música, uma necessidade pedagógica

A música está em desuso no mundo atual, pois o que se ouve em geral é um arremedo de música, imposto pela mídia, mercadejado por gravadoras que desejam lucro fácil e rápido. O povo está deseducado para o ouvir. Sertanojo, funk, pagodão e outros tons empobrecidos poluem aos ouvidos. A maioria dos jovens desconhece que somos a terra de Caymmi e Tom Jobim. Mozart e Beethoven, nem pensar. A não ser que alguma canção daqueles (como foi Pela luz dos olhos teus de Jobim) vire tema de novela da Globo. Então, salva-se algo da ignorância e do esquecimento.

Entretanto, a música não é um apetrecho postiço na vida humana, é respiro vital da alma, é canal de expressão de sentimento e sensibilidade, sem o qual o espírito se embota e perde em altura cultural e espiritual. A música é patrimônio de um povo, da humanidade toda e precisa ser passada, reconhecida, cultivada para as novas gerações, sob pena de regressarmos à barbárie.

Mas é preciso saber apreciar o que é bom, o que tem complexidade harmônica, ritmo rico, poesia bem feita… e só se pode aprender isso através da educação. Por isso é inconcebível uma escola sem música.

Assim, é digno de celebração o fato de que a partir desse ano de 2011, as escolas públicas brasileiras estão obrigadas a inserir a música em seu currículo, pela lei nº 11.769, de 2008, sancionada pelo presidente Lula (eis uma coisa bem feita por ele).

A música deveria entrar pela porta da frente da escola e ocupar um lugar de destaque e não ser entendida como um detalhe postiço do currículo.

Como acreditamos numa educação interdisciplinar, que mexa simultaneamente com todas as áreas do conhecimento, toque ao mesmo tempo todos os sentidos e desperte o interesse de crianças com diferentes tipos de inteligência e vocação – a música ocupa aí um lugar central, pois ela pode ser o ponto de partida e o ponto de chegada de um bom projeto interdisciplinar.

A música pode ser o eixo de congregação e intercâmbio de toda a escola, em corais, recitais, concertos, bailados… mas não essa coisa morna de dançazinhas ensaiadas e comandadas por professoras de má vontade, para pais e mães tirarem fotinhos (como são as festas juninas, as festas das nações e que tais!). É preciso professores que tenham cultura musical, que saibam quem é Pixinguinha e Louis Armstrong, Bach e Villa-Lobos. Que saibam como levar isso para as crianças, mostrando um trecho da Flauta Mágica de Mozart, um Singing in the Rain com Gene Kelly ou o velho Caymmi cantando Minha Jangada vai sair pro mar. Há métodos próprios para introduzir as crianças no que é bom e belo. Deve ser feito em doses homeopáticas, com as canções mais acessíveis. Não devemos começar a mostrar o que é ópera com um Richard Wagner ou introduzir música orquestral com uma peça atonal. Mas também não se deve vulgarizar e mostrar clássicos com ritmo de rock ou a  Rainha da Noite com Edson Cordeiro.

Sensibilidade, sutileza, sensatez e bom gosto – eis o que é desejável, para que a criança entre no mundo da boa música, com gosto e prazer, e queira mais. O objetivo dessa introdução da música na escola não é que todos saiam músicos (embora é bom que se descubram e se incentivem os talentos), mas que todos se tornem apreciadores da música, sensíveis, cultos e com isso dilatem a alma, sejam mais criativos e tenham um recanto de canto onde repousar.

Em outros países do mundo, na Europa e nos Estados Unidos, há uma cultura de se cantar em conjunto. Quase todo mundo na vida já participou de algum coral e quando se juntam amigos e famílias, canta-se e canta-se afinado. Isso faz bem ao espírito. Apesar de sermos um povo tão criativo e musical, perdemos essa dimensão, acachapados pela incultura da televisão, que não só tirou das famílias a conversa, mas também a música. Desliguemos a rede Globo e ouçamos música em casa. Cumpramos a lei e coloquemos música na escola e vai haver uma melhora geral na inteligência, na cultura, uma queda de violência e uma elevação dos espíritos.

* * * * * *

Abaixo um exemplo de algo delicado: uma Lied de Mozart, para crianças, de que fiz uma versão para o português. (Lied significa canção em alemão; é um gênero musical erudito geralmente para voz e piano, feito com poemas tirados da literatura, onde canto e instrumento interagem de maneira rica. O piano não é mero acompanhamento da voz, mas entretece a música junto com a linha melódica feita pela canto.)

SAUDADES DA PRIMAVERA

 

Vem logo, primavera

e traz um novo frescor!

E faz brotar na terra

perfumes, cores e flor!

Eu quero olhar de mansinho

miosótis e manacás

e ver pelo caminho

a relva bordada de paz!

Verdade é que na terra

em que por bem eu nasci

eterna primavera

vigora e brilha aqui!

Mas quando foge o inverno

Assopram ares tão bons!

Setembro amigo e terno

traz novas nuanças e tons!

Saudades da Primavera

Música: Wolfgang Amadeus Mozart • Versão para o português: Dora Incontri • Arranjo: Luciano Vazzoler & Moacyr Camargo• Voz: Dora Incontri • Piano: Luciano Vazzoler • Vozes das crianças: Beatriz Gross Barboza, Julia Fidelis Oriola, Letícia Barbosa Magalhães,  Luísa Carvalho Grossi de Almeida e Paola de Angelis • Regente do coro infantil: Bia de Luca


Comenius

Jan Amos Comenius (1592-1670)

“Nosso primeiro desejo é que todos os homens sejam educados plenamente em sua plena humanidade, não apenas um indivíduo, não alguns poucos, nem mesmo muitos, mas todos os homens, reunidos e individualmente, jovens e velhos, ricos e pobres, de nascimento elevado e humilde — numa palavra, qualquer um cujo destino é ter nascido ser humano: de forma que afinal toda a espécie humana seja educada, homens de todas as idades, todas as condições, de ambos os sexos e de todas as nações. Nosso segundo desejo é que todo homem seja educado integralmente, formado corretamente, não num objeto particular ou em alguns objetos ou mesmo em muitos, mas em tudo o que aperfeiçoa a espécie humana; para que ele seja capaz de saber a verdade e não seja iludido pelo que é falso; para amar o bem e não ser seduzido pelo mal; para fazer o que deve ser feito e não permitir o que deve ser evitado; para falar sabiamente sobre tudo, com qualquer um, quando necessário e não ser estúpido em nenhum assunto e finalmente para lidar com as coisas, com os homens e com Deus, em todos os sentidos, racionalmente e não precipitadamente e assim nunca se afastando da meta da felicidade. E educado em todos os aspectos: não para pompa e exibição, mas para a verdade; quer dizer, para tornar os homens o mais possível a imagem de Deus, na qual foram criados: verdadeiramente racionais e sábios, verdadeiramente ativos e espirituais, verdadeiramente morais e honrados, verdadeiramente pios e santos e assim verdadeiramente felizes e abençoados tanto aqui, quanto na eternidade. Em suma, para iluminar todos os homens com a verdadeira sabedoria, para ordenarem suas vidas com verdadeiros governos e para uni-los a Deus com verdadeira religião, de modo que ninguém se equivoque em sua missão neste mundo.” (Pampædia)

“todos os homens… devem desenvolver o pensar, o falar e o agir, de modo que esses três dons se harmonizem entre si.” (Pampædia)

“Como para toda a humanidade, o mundo é uma escola, desde o começo até o final dos tempos, assim para cada ser humano individualmente a vida inteira é uma escola, desde o berço até o túmulo. Não é suficiente dizer com Sêneca: para aprender nunca é tarde, devemos muito mais dizer: cada idade está destinada ao aprendizado, e nenhum outro sentido tem a vida humana e todo o seu esforço. Sim, nem mesmo a morte coloca um limite à vida e ao mundo. Qualquer um que nasceu como ser humano, deverá passar por tudo em direção à eternidade, como para uma academia celeste. Tudo o que se passa antes é assim apenas um caminho, uma preparação, uma oficina – uma escola inferior.” (Pampædia)

“Em cada escola pública, deve-se empregar todo empenho em exemplos e demonstrações práticas. …” (Pampædia)

“a infância é a primavera da vida. Não se pode aí perder nenhuma oportunidade de preparar o engenho do seu espírito. Quem deseja uma colheita farta, precisa reservar um campo inteiro, não pode deixar nada sem cultivo.” (Pampædia)

O ensino deve ser…

“Amistoso e de forma infantil” “…as crianças devem aprender sobre coisas com as quais os adultos se relacionam, mas de forma infantil. Se Timóteo já aprendia em sua infância sobre as escrituras sagradas, isto é, sobre Teologia. Porque não podem as crianças também aprender também filosofia, direito, medicina, tudo naturalmente à sua maneira?” (Pampædia)

“1. As crianças são seres humanos – assim devemos levá-a para a humanidade. 2. São crianças – assim devemos tratá-las como crianças, segundo as capacidades de sua idade. 3. Elas serão homens – assim precisamos atraí-las para aquilo que é importante para o homem.” (Pampædia)


Rousseau

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)

“Na ordem natural, sendo todos os homens iguais, sua vocação comum é o es­tado de homem e todo aquele que for bem educado para este estado não pode preencher mal os outros que têm relação com ele. Que se destine meu aluno à espada, à igreja, ao tribunal, pouco importa. Antes da vocação dos pais, a natureza o chama à vida humana. Viver é a função que lhe quero ensinar. Saindo das minhas mãos ele não será, confesso-o, nem magistrado, nem soldado, nem padre: ele será primeiramente homem; tudo o que um homem deve ser ele saberá sê-lo segundo as necessidades, e a fortuna poderá muito bem trocá-lo de lugar, ele estará sempre no seu.” (Emílio)

 (…) a verdadeira educação consiste menos em preceitos do que em exercícios. Começamos a nos instruir, começando a viver. (…) Viver não é respirar, é agir; é fazer uso de nossos órgãos, de nossos sentidos, de nossas facul­dades, de todas as partes de nós mesmos, que nos dão o sentimento de nossa existência.” (Emílio)

“Que o aluno não saiba nada porque lhe te­nhais dito, mas porque ele o compreen­deu por si mesmo, que ele não aprenda a ciên­cia, que ele a invente. Se substituis no seu espírito a razão pela autoridade, ele não ra­ciocinará mais, será apenas o joguete da opinião alheia.” (Emílio)

“A retidão do coração, quando solidificada pelo raciocínio, é a fonte da exatidão do Espírito” (Emílio)

“Qual o objetivo da educação de um jovem? É o de torná-lo feliz.” (Emílio)

“A natureza – quer que as crianças sejam crianças antes de serem homens. Se quisermos perturbar essa ordem, produziremos frutos prematuros que não terão nem madureza nem sabor, e não tardarão a se corromper; teremos doutores infantis e crianças velhas. A infância tem maneiras de ver, de pensar, de sentir que lhe são próprias.” (Nova Heloísa)

“Chamo educação positiva aquela que tende a formar o espírito antes da idade e a dar à criança o conhecimento dos deveres do homem. Chamo educação negativa aquela que tende a aperfeiçoar os órgãos, instrumentos de nossos conhecimentos, antes de nos dar esses conhecimentos e que prepara a razão pelo exercício dos sentidos. A educação negativa não é ociosa, longe disso. Ela não dá as virtudes, mas previne os vícios; ela não ensina a verdade, mas preserva do erro. Ela dispõe a criança a tudo o que pode levá-la ao verdadeiro  que ela está em condições de entendê-lo, e ao bem quando está em condições de amá-lo. (Carta a Christophe  de Beaumont)

“Parece certo, entretanto, eu o confesso, que se o homem é feito para a sociedade, a Religião mais verdadeira é, também,  a mais social e a mais humana, porque Deus quer que sejamos tais como ele nos fez, e se fosse verdade que ele nos tivesse feito maus, seria desobedecer-lhe querer deixar de sê-lo. Além do mais a Religião conside-rada como uma relação entre Deus e o homem, não pode chegar à glória de Deus senão pelo bem-estar do homem, pois que o outro termo da relação que é Deus, está, por sua natureza, acima de tudo o que pode o homem a favor ou contra ele. (Carta a Christophe  de Beaumont)


Pestalozzi

Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827)

“Não se pode esconder: escolas e institutos de educação estão de muitas maneiras distantes da vivacidade da influência natural do meio doméstico para o despertar de um estado de ânimo positivo e de uma participação ativa em tudo o que é educativo.” (Ein Wort über Schulen und Erziehungshäuser – Band 27)

“A educação moral não deve ser trazida de fora para dentro da criança, mas deve ser uma conseqüência natural de uma vivência moral.” (Ein Wort über Schulen und Erziehungshäuser)

“A meta para o qual o método tende constantemente e em todas as coisas, é de atingir, vivificar e fortificar o que há de verdadeiramente humano, espiritual e moral na criança. Em outros termos, ele considera e trata a criança, desde o primeiro momento, como uma natureza humana, espiritual e moral e reconhece nele principalmente esta existência e esta atividade. O fundamento de sua confiança na criança é a primeira revelação divina a respeito do homem, que é na realidade uma imagem de Deus. Longe de considerá-la como uma tábula rasa, sobre a qual é preciso escrever, como um vaso vazio que deve ser preenchido, ela o vê ao contrário como uma força real, viva, ativa por si mesma, que desde o primeiro momento de sua existência, opera, organizando, como um corpo orgânico sobre seu próprio desenvolvimento e extensão…(…) A natureza externa, os cuidados maternos, o entorno doméstico despertam e determinam, regulam e dirigem entretanto, por sua influência, a atividade dessa força, mas eles nada podem sobre a sua natureza.” (Méthode théorique et pratique)

“A educação moral nada mais é que o desenvolvimento da vontade humana pelos sentimentos mais elevados do amor, do reconhecimento e da confiança; desenvolvimento que se funda sobre a perfeição na qual esses sentimentos se manifestam, desde sua primeira aparição, nas relações que se estabelecem entre mãe e filho.” (Méthode théorique et pratique)

“Embora a força da Natureza conduza irresistivel­mente à verdade, não há cons­trangimento nessa condução. O som do rouxinol que ecoa na escuridão e assim todas as coisas da natureza flutuam em refrescante liberdade, sem a mínima sombra de uma inopor­tuna ordem em série. Se houvesse uma ordem em série, constrangedora e forçada, no modo de ensi­nar da natureza, também ela for­maria de modo parcial, e a verdade não preencheria doce e livremente a plenitude do ser humano.” “O homem perde o equilíbrio de seu poder, a força da verdade, se o seu espírito for conduzido com violência e par­cialidade para um objeto. Por isso, o modo de ensinar da na­tureza não é violento.” (Die Abendstunde eines Einsiedlers)

“A criança não é como uma tabula rasa, um recipiente vazio, que deve ser preenchido com matéria estranha, mas sim uma força real, viva e autônoma, que já no primeiro instante da sua existência age coordenando organicamente sobre seu próprio desenvolvimento e expansão… A Educação deve recorrer espontaneamente à vontade da criança, ao seu impulso para a Verdade, ao seu gosto pelo Belo e à sua ânsia pelo Bem. A Educação não deve caminhar no sentido negativo de entravar o mal, mas no sentido positivo de vivificar o Bem.” (Lenzburger Rede)

“O verdadeiro educador, cheio de humildade, sentindo as fraquezas e as limitações de sua própria personalidade, não ousa intervir violentamente no desenvolvimento do aluno, para determinar arbitrariamente o seu rumo, e satisfazer seus próprios conceitos, metas e opiniões. Com santo pudor, ele alimenta e cuida daquilo que existe na criança, como de uma planta que o Pai celestial plantou.” (Lenzburger Rede)

“No íntimo da nossa natureza, há um santo ser divino, cuja formação e cuidado, pode elevar o homem para a dignidade interior da sua natureza, e só através disso ele se torna homem.”


Menino Triste

Se nem a lua te dá um olhar de trocado…

                                      

                                          Que queres, menino triste?                                            
que me paras no farol?
Que sonho escuro que viste,
Pois teus olhos não têm sol?

Tua madrasta é a rua,
com seu cimento gelado.
E de noite, nem a lua
te dá um olhar de trocado…

Quem te largou neste mundo,
para catares esmola?
Se roubas, és vagabundo…
Mas quem te roubou a escola?

E quem te arrancou da mão
um brinquedo e uma esperança?
Quem te tirou, sem perdão,
o direito a ser criança?

Tua escola é a calçada,
que freqüentas todo em trapos.
Se o dia não rende nada,
logo apanhas uns sopapos.

Menino, no olhar me imploras
muito mais do que um favor.
Querias que tuas horas
fossem preenchidas de amor!

Mas o que vês são os carros!
Passam depressa, sem dó.
Os sorrisos te são raros.
O Brasil te deixa só.

Minha poesia já chora:
os meninos são milhões.
Será que o povo de agora
perdeu os seus corações?

Vá correndo, minha Musa
pedir ao homem tão duro,
que das riquezas abusa,
que reparta seu futuro!

Poderá haver perdão,
dizei-me vós, Senhor Deus,
para a megera nação
que assim trata os filhos seus?

E a Musa conclama alto,
com resquícios de esperança:
Brasil, não jogues no asfalto
A alma de uma criança!


Avatar: a violência contra a violência

Cena de Avatar, 2009 - Direção James Cameron

Consegui assistir ao aclamado filme Avatar somente em casa, depois que já havia saído dos cinemas e estava disponível nas locadoras. Portanto, não peguei a imagem 3D e não degustei aquele mundo paradisíaco de uma maneira mais integrada… mas isso não invalida a minha apreciação do roteiro e da mensagem final do filme.

Os comentários positivos foram tantos e minha paixão por science fiction é tão grande, que me pus a ver o filme com grande ânsia e expectativa por algo realmente maravilhoso.

De fato, há duas coisas excelentes: a beleza das imagens (que em 3D devem ser de tirar o fôlego) e a função que toda boa ficção científica exerce, que é a de criar uma situação imaginária, no futuro ou em outros mundos, mas através da qual podemos fazer uma leitura crítica da nossa realidade e do nosso mundo.

É por demais óbvia a relação que podemos estabelecer no filme com todos os imperialismos, os massacres étnicos, as agressões ecológicas, que vivenciamos no planeta desde que o mundo é mundo – mas com maior requinte, desde que se instalou o capitalismo como mola propulsora das ações dos grandes impérios. Afinal, atrás de toda a trama do filme está uma empresa que quer explorar um minério preciosíssimo que há no subsolo de Pandora, o habitat dos homens azuis. Podemos substituir esse minério Unobtainium, em diversos momentos dos últimos quinhentos anos de história terrestre, seja por ouro, esmeraldas, marfim ou petróleo e temos um enredo igualzinho ao do Avatar, onde não faltam nem mesmo os europeus conquistadores se apaixonando por indígenas colonizadas, como o caso de Pocahontas e nem os representantes dos impérios que se converterem para o lado dos conquistados e ajudaram na luta de resistência – situação retratada no filme A Missão (para ficarmos no campo cinematográfico).

Entretanto, o filme é feito dentro do próprio sistema que pretende criticar. E a ideologia central do sistema permanece como bandeira do filme. Que ideologia é essa? Que a violência é o única solução para todos os embates humanos. Que violência se contra-ataca com violência e a própria justiça só se cumpre com violência. Ou seja, trata-se de ideologia anti-cristã, pois Jesus ensinou a pagar o mal com o bem e a perdoar setenta vezes sete e a oferecer a outra face.

O filme quer se fazer politicamente correto – propõe-se a defender o indígena contra o invasor; a natureza contra seus agressores, a sobrevivência das culturas locais contra o massacre imperialista… mas da primeira cena tocante em que a nativa Neytiri pede desculpas ao animal por tê-lo matado e diz ao americano travestido de extraterrestre azul que aquilo era muito triste, vamos sendo conduzidos por um caminho de emoções que, no final, nós mesmos entraríamos no filme e estrangularíamos o Coronel Miles Quaritch.

Estamos aí longe de um episódio de ficção científica da antiga série televisiva Jornada nas Estrelas (Star Trek)  – e essa sim, em muitos enredos, pacifista. Esta história se chamava Errand of Mercy. Os klingons (os vilões militaristas, guerreiros e imperialistas) haviam invadido um planeta pacífico e aparentemente estagnado numa cultura simples e agrícola. James Kirk, ao lado de Spock e da tripulação da Enterprise (representando quem sabe, a ideologia de “campeões da liberdade” dos Estados Unidos) põe-se em defesa do planeta e, embora não estejam inclinados a usar de violência, não encontram outro recurso. Mas quando klingons e representantes da Federação estão a ponto de iniciar uma guerra, eles se vêem impedidos disso. As armas esquentam a um ponto que eles são obrigados a soltá-las, os aparelhos das naves ficam inativos… Então, os anciões do planeta se apresentam como realmente eram – espíritos puros, de luz, que usavam aquelas vestes carnais apenas para recepcionarem os visitantes. Eles pararam a guerra com seu poder mental. Os klingons na verdade não tinham poder nenhum sobre eles e ao matarem os habitantes não estavam realmente matando, porque eles estavam em outra dimensão.

Cito esse episódio porque isso sim é pensar diferente, raciocinar em outros termos e poder sair do ciclo de violência extrema em que vivemos neste mundo.

Enquanto todos se deleitarem com as cenas de violência de que o filme Avatar está cheio, supondo que para combater a violência e a injustiça, não há outro remédio senão a violência, não sairemos jamais desse diapasão na Terra.

Quando vi as cenas de Pandora, no trailer do filme, pensei que fôssemos fazer uma viagem para um reino de paz e beleza e pudéssemos usar a mente em outras alternativas de existência, mas na verdade o filme excita os que gostam de armas pesadas e de tecnologia para matar e acende nossos instintos primitivos de querermos vingança dos matadores. Ou seja, afinal, quem é o herói do filme? Quem sobrevive e é exaltado? O jovem Jake – que é um guerreiro! Ou seja, transferimos o faroeste para o espaço e agora vamos defender os índios… mas ainda o herói é o colonizador guerreiro!

Enquanto não fizermos filmes em que os heróis sejam modelos como de Jesus, Buda ou Gandhi, não podemos fazer um educação estética e ética para as novas gerações em que o bem (pacífico) vença afinal. O cinema americano, como a própria ideologia do sistema vigente no mundo, é essencialmente anti-cristão, embora se afirmem cristãos nominalmente. Porque a essência da mensagem de Jesus, como muito bem compreendeu Gandhi, um hindu, é a não-violência.

A grande questão que se põe é a seguinte: o que no limite fazer com um homem como o coronel do filme, que tem prazer em matar e não tem um pingo de compaixão? Haverá outra alternativa senão eliminá-lo? Justamente isso é que o filme nos faz acreditar e que toda ideologia maniqueísta usada hoje em dia nos faz crer: que há homens inumanos e que só nos resta varrê-los da terra. Se considerarmos porém, numa outra visão, que todos os seres humanos têm um lado humano, que pode ser tocado – em termos de ficção científica, todo Darth Vader na verdade é um menino desviado, pela revolta, mas pode ser tocado pelo amor de um filho ou de alguém…, então as tramas se tornariam mais ricas, menos “râmbicas”… aliás, não é à toa que Cameron – diretor de Avatar, também esteve envolvido na produção do Rambo (modelo máximo dessa ética do faroeste!).

Isso está ligado a um outro aspecto do filme: a espiritualidade. Muitas pessoas me disseram que a espiritualidade estava fortemente presente em Avatar. De fato, o próprio nome Avatar vem do hinduísmo e que dizer “encarnação de um ser divino”. A transferência de espíritos de um corpo humano para o corpo Na’vi sugere a independência da alma em relação à matéria. As orações, o culto à grande mãe – tudo isso lembra as religiões pagãs, em que sacerdotizas exerciam o culto da terra-mãe, de Deusas maternas. No Egito, entre os celtas e muitos povos da Antigüidade, isso era comum. E existe uma volta ao neo-paganismo no mundo pós-moderno.

Isso demonstra uma característica muito patente em nosso milênio – voltamos a toda sorte de espiritualidade e aceitação do sagrado e muitas vezes ao que era pré-cristão. Mas a essência ética da mensagem de Jesus e, nesse caso, também de Buda – a da não-violência – não é invocada. Ou seja, estamos numa posição muito cômoda, que é a que aparece no filme O Gladiador, aceitamos todas as formas de espiritualidade, mas olvidamos a que alimenta a nossa tradição ocidental, com sua proposta radical de perdão, paz e não-violência. No filme O Gladiador, passado em torno do ano 200, época em que os cristãos morriam às pencas nas arenas romanas e morriam cantando, perdoando seus algozes, eles não são sequer mencionados, porque o grande herói é um guerreiro que passa o filme inteiro para executar a sua vingança e não há a voz de um cristão para lhe dizer: perdoe!

Essas são as reflexões nascidas do filme Avatar. Esperemos que outros possam pensar críticas nesse sentido, para começarmos a escapar da hipnose da ideologia dominante.


Manifesto da Criança

Criança, ser de ternura,

Delicado, pequenino

Revela no seu sorriso

A presença do divino!

*

Nas mãozinhas que se estendem

Há um pedido de esperança

Um afago e uma certeza

E um projeto que se lança!

*

Mas quanto se falta ainda

Em respeito e afeto pleno

Às crianças deste mundo

Neste início de milênio!

*

Desde que o Cristo disse

Que o Reino delas seria

Uma epopeia de séculos

Em seu favor se veria!

*

Sem voz, valor ou cuidado

Esquecidas, maltratadas,

Só há pouco foram sentidas

Como pessoas amadas!

*

Descobertas por aqueles

Inspirados em Jesus

Finalmente compreendidas

Como potências de luz!

*

Foram Comenius, Rousseau

Seus grandes reveladores

Pestalozzi e Montessori

E outros mais educadores!

*

Trouxeram à luz a infância

Nas trilhas da educação

Desbravando à humanidade

Caminhos do coração!

*

Mas ainda que violências!

Que mortes em todo mundo!

Que abusos e que maus tratos!

Que vilipêndio profundo!

*

As africanas minguando

As da China escravizadas!

As brasileiras no asfalto!

E as das guerras, massacradas!

*
As que crescem sem um teto,

Sem escola e sem pudor,

As que carecem de tudo

Até de um pouco de amor!…

*

Mesmo as com carro de luxo,

Poderosas e bonitas,

Muitas delas estão sós

Com almas secas e aflitas!

*

E a escola, esse cemitério

Das mentes mais promissoras,

Onde a lousa seca a vida

Nos lábios das professoras!

*

Obrigações sem sentido!

Conhecimento sem nexo!

Depois da escola a TV

Com sangue, consumo e sexo!

*

Crianças feitas adultos

Como nos tempos antigos!

Sem a ternura inocente

Distantes de pais amigos!

*

Ainda o mundo se mostra

Lugar hostil e inseguro

Para muitas dessas almas

Que vêm buscar seu futuro!

*

É preciso ação ativa,

Incessante militância,

A ternura à flor das almas

Para que se salve a infância!

*

Que o olhar de  uma criança

Não se manche de violência!

E que mãos cruéis e impuras

Não lhe roubem a inocência!

*

Que nenhuma voz se altere

Para humilhar esse ser!

Que nenhuma mão se erga

Para ferir e bater!

*

Espalhe-se uma vontade

De aconchego e proteção!

De reverência e carinho

Diálogo e educação!

*

As crianças são sementes

Em plena germinação

E vão perfumar a terra

se amadas de coração!

*

São a esperança que Deus

Empresta ao nosso futuro

Mas só se farão promessa

Se o seu presente for puro!

*

Que cada adulto se faça

Abolicionista ardente

Da escravidão da criança

Neste mundo ainda doente!

*

Liberdade para as almas

Frutificarem no  amor!

Dignidade às crianças

Do Nepal ao Equador!

*

Negras, brancas, amarelas

São todas lindas e iguais!

Só necessitam de mãos

Que lhes dêem fé e paz!

*

O Reino de Deus virá

Sobre esta terra de dor

Só quando não mais houver

Crianças sem pão e amor!

*

Powerpoint deste poema:  Manifesto