
Alcançar meio século, o que isso significa? Não haverá na prática muita diferença entre 49, 50, 51, mas já que se trata de um número bonito, redondo, nada custa tecer algumas reflexões especiais, com cara de metade de um século. Por incrível que pareça, introspecções profundas têm me assaltado por conta dessa aproximação dos 50: avaliações internas, balanços existenciais, recordações dos trechos percorridos, saudades de tempos idos e de pessoas ausentes.
Sou da safra de 62, sagitariana bem assumida e feliz com meu dia 4 de dezembro. Dezembro é um mês que sempre me agradou, um mês festivo, natalino, de final de ciclo!
A primeira coisa que me vem ao coração, todas as vezes que avanço na idade, é que não sou mais a menina precoce, que fui na adolescência, não sou mais a jovem promissora…que provocava elogios. Agora sou eu que me entusiasmo com crianças vivas, com jovens idealistas e conscientes; agora sou eu que procuro esperança nas gerações que estão chegando.
E que sou eu então – aliás, que estou eu então? Nem remotos sinais em meu espírito de cansaço, velhice e desilusão. Se há algo que jamais perdi é a paixão, o ímpeto de agir, o idealismo agudo, que alguns consideram exagerado, porque é um idealismo duro, que não faz concessões. Às vezes, quando falo para jovens desse morno início de século XXI, me vejo mais entusiasmada e eloquente, confiante e otimista do que a maioria deles. O ardor de revoluções (pacíficas, claro) não me abandona jamais.
O que também não perdi em 50 anos é meu coração de criança. Por isso entendo as crianças tão bem, me dou tanto com elas e me sinto tão feliz quando estou com elas! É que não sei mentir, sou sincera ao extremo, sentimental sem limites. Sensibilidade à flor da pele, mediúnica até os ossos. E lá vem sofrimento nesse mundo individualista, que se esfria cada vez mais, que considera todo sentimento brega, imaturo, tolo… que confunde desapego (virtude cultivada por todos os sábios e homens de espiritualidade) com indiferença individualista e descartabilidade das relações.
Desapego sim é renunciar a status, conforto, a dinheiro, a consumo, por conta de ideias e ideais… Desapego que anda junto de fidelidade a princípios em que acredito e com que jamais negocio. Disso tenho orgulho! Nunca fiz um trabalho que contrariasse a minha consciência, nunca fiz concessões no que considero justo, honesto, bom, elevado e belo.
Não endureci, mesmo com toda a adversidade que qualquer ser humano passa na vida. Não perdi a ternura. Mesmo que alguns zombem disso. Mas há muitos outros que se achegam, gostam de um afago, confortam-se com uma palavra de amor e um colo farto e materno.
Do que mais gosto: crianças, natureza, música, poesia e espiritualidade. Essa sempre foi forte em mim, desde quando fazia preces e já gostava de ouvir mensagens, desde os 5 anos de idade, nas orações em família. A conexão com Deus só aumenta com o tempo, só se depura, só se torna menos palavrosa e mais sentida; menos exterior e mais plena.
O maior patrimônio que acumulei nesses 50 anos de vida: a consciência limpíssima de estar cumprindo meu destino, fazendo o melhor que posso; muitos e profundos e duradouros afetos; muitos livros escritos (e ainda virão outros); muitos ideais erguidos à custa de suor e lágrimas; muitas flores e frutos das sementes semeadas…
A maior dor: as saudades dos que se foram, que aqui estão, mas que não posso tocar; as ingratidões colhidas de pessoas amadas, que se retiraram do meu caminho…
O que espero e quero para o futuro: mais trabalho, mais afetos, mais livros, mais ideais erguidos, semeados e frutificados. Meus amados brilhando, meus amigos à volta, meus alunos se multiplicando… e sempre maior serenidade, dessa que tenho acumulado aos poucos, caminhando para uma velhice de trabalho e paz e uma morte de reencontro, com todos os que me esperam na outra margem da vida.