Arquivo do mês: abril 2022

Diário da mama 2 – É câncer!

 

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A notícia veio por uma pessoa muito querida, alguém que conheço desde criança e está se formando em medicina: Vitor Dal Poggetto. Eu havia dado o login e senha para ele ver os primeiros exames e ele, por conta própria, preocupado, entrou e viu primeiro que o resultado da biópsia já estava lá. Ligou para mim e contou-me com muito amor e delicadeza. Mas a notícia é dura. Cai com uma pedra no estômago. Eu, que sou tão articulada, fiquei sem fala.

Não prolonguei a conversa. Precisei contar para outras pessoas, precisei chorar, precisei orar.

A gente sente como se o tempo tivesse parado, não sabemos o que pensar e o que sentir.

Não, em nenhum momento pensei na morte (apesar do poema sobre morte no primeiro episódio dessa série da mama), porque sei que câncer de mama tem cura, está no começo e não pretendo morrer tão já.

Mas mil ideias perpassam a mente e atormentam o coração. O sofrimento em vista, a possível perda da mama (coisa que sempre me assombrou), o trabalho, os recursos, as reponsabilidades.

Depois de ser acolhida e confortada por alguns mais amados, que garantiram presença, cuidado, acompanhamento, prece e todo o amor do mundo, senti-me melhor.

E quando escrevo isso, ainda no mesmo dia da notícia, estou serena. Respiro fundo, concentro-me, elevo-me e sei que estou amparada, sei que tenho recursos psíquicos e espirituais para enfrentar toda dor, sei que tenho rede de apoio para atravessar o processo, seja ele qual for – do qual ainda não sei os passos, porque só conversei com o médico por telefone e ainda faltam alguns exames.

E o que pensar até agora desse evento inesperado e incômodo? Por que, para que, como me apareceu isso de repente, contrariando todas as expectativas de não ter justamente o câncer de mama? Preciso encontrar todos os sentidos, preciso procurar todas as aprendizagens.

Entre as primeiras impressões está o fato de nesses poucos dias ter recebido inúmeros testemunhos de casos de outras mulheres que já tiveram o mesmo câncer. Sensação de sororidade, sabendo que estou sendo apoiada por irmãs que já experimentaram ouvir essa má notícia e atravessar a jornada da cura. Sensação de pertencimento igualitário e fraterno.

Um dos motivos principais que não queria nada na mama é porque para mim é o maior símbolo do feminino, um lugar sagrado do corpo, impensável extirpá-lo. E ouvi de algumas mulheres: você vai suportar a dor, porque nós mulheres temos um limiar de dor mais alto. Então o sagrado da mulher está além do corpo: está na resiliência, na resistência, na alma feminina.

A outra impressão é o quanto de transbordamento de amor estou percebendo à minha volta e isso abastece o coração e asserena a aflição.

Então vou. Estou preparada (será?) para peregrinar pela via sacra, com estoicismo, com espiritualidade e com tantos amores.

E… sem jamais deixar a poesia.

 

Nessa vida

Não dei de mamar

Mas nunca deixei de amar

E oferecer o colo

Aos que estavam no mesmo solo

Do meu amplo lar.

 

E agora vai sangrar-me o seio

E vem-me o receio

De quebrar-me ao meio

O sangue guerreiro.

 

Mas não, logo poeto e me levanto

Seco depressa meu pranto.

Porque há tanto acalanto

De todo canto…

Logo me domino,

Pois não há espaço

Para titubeio.

Para o meu seio

Só há regaço

Humano e divino.


Diário da mama 1 (Será câncer?)

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Eu já havia conversado com os meus guias, com Deus, com Jesus ou com qualquer um acima de direito, que não queria duas coisas na vida: nenhum problema nos olhos, de que tenho aflição extrema e nenhum problema na mama. Para o segundo caso, tomei todas as precauções possíveis: nunca fiz reposição hormonal, sempre evitei desodorantes spray, nunca usei sutiã apertado e me consolava dizendo que não há um caso de câncer de mama na família, apesar de casos de outros tipos câncer de todos os lados: pai, mãe, avós…

Meses atrás, porém, apalpei um nódulo no banho. Fiquei um pouco preocupada, mas não pude ir ver logo e não me esforcei para contornar os obstáculos – COVID ainda atuando, o carro estava ruim e não estava licenciado para ir a SP, não tinha com quem deixar meu pai… desculpas?

Passaram-se alguns meses. E eu sempre me confortando: não temos câncer de mama na família. Processo de negação?

Num dia, na semana passada, vi que o nódulo estava maior e doendo, e fiquei a noite em claro, já além de preocupada, aflita.

No dia seguinte, marquei os exames numa das melhores referências em câncer no Brasil, o hospital AC Camargo, em São Paulo, onde aliás meu pai trata há 20 anos de um câncer nas cordas vocais, agora em remissão. Felizmente o meu convênio cobre totalmente qualquer procedimento neste hospital – convênio pelo qual me mato para pagar. Minha conta mais alta.

E fui para a mamografia e para o ultrassom de mamas. Já tinha um pedido que minha endócrino – Glaucia Duarte, com quem também já falei durante o sufoco dos últimos dias – havia feito ainda durante a pandemia. Não fazia esses exames de rotina desde antes do pesadelo pandêmico. E o outro pedido, minha querida vizinha médica, Leni, preencheu para mim.

O primeiro susto: o médico do ultrassom chamou o outro e os dois examinaram longamente e avisaram que eu precisaria ver aquilo com urgência, que havia um nódulo suspeito no seio e um linfonodo na axila.

O olhar de preocupação e o longo silêncio dos dois já me abalaram.

E aí as coisas se sucederam. Passei numa médica do mesmo hospital e ela (coisa por mim nunca vista) ao me dar a notícia de que tinha muita chance de ser câncer, pegou nas minhas mãos e olhou nos meus olhos – depois soube que se trata de um protocolo – Spikes – para dar notícias ruins. Mas nunca havia visto tal protocolo posto  em prática por qualquer médico.

E ontem foi o dia da biópsia e enquanto escrevo isso, ainda não sei o resultado – só sei por enquanto, que a classificação do nódulo é BI – RADS 4c – o que significa uma enorme chance de ser maligno.

Fiquei mal… não tenho o mínimo medo da morte, embora não tenha o mínimo desejo de morrer agora. Ainda tenho muita coisa a fazer e algumas pessoas de quem cuidar, sobretudo minha responsabilidade direta, meu pai de 85 anos. Mas uma série de assombrações me tiraram o chão: como vou trabalhar – e dependo do trabalho de cada dia para comer, pagar as contas e o convênio? Quem vai cuidar do meu pai, que ainda tem autonomia, mas está bastante dependente de mim? E meus cursos, meus pacientes, meus livros, minhas lives e toda a multidão de coisas que faço?

“Slow down, Doris” – me disse uma pessoa amada, Franklin, que me chama por esse apelido.

“Ah, minha amiga! Sei que o susto é grande, mas abandona todas as tuas inseguranças, inclusive as financeiras, porque tu e teu pai não estão em perigo. Haverá sempre aqueles que inspiraremos, e que estarão ao teu lado para, se preciso for, amparar-te, enquanto completas as lições que a Vida – outro nome para Deus – quer te ensinar” – disse um espírito amigo pela psicografia do amigo Rodrigo.

Ante o susto e a aflição, procurei familiares e amigos deste e do outro lado da vida. Mensagens, telefonemas, orações, evocações, reuniões mediúnicas… e recebi uma avalanche de amor! Muitos me oferecendo ajuda financeira, preces, companhia, hospedagem em São Paulo….

Na noite de quinta, um dia antes da biópsia, reuni-me presencialmente com nosso grupo mediúnico. Durante as orações e entre as mensagens que recebi, apresentou-se D.Addy, uma alma muito querida, que foi médium de cura em vida, com quem convivi e trabalhei durante mais de 30 anos. E ela me disse: “vou te acompanhar em todo processo”.

No dia seguinte, ontem, era o dia para mim já aflitivo, pois implicava em dois desafios: enfrentar a ressonância magnética porque tenho claustrofobia, e saber e sentir que estavam enfiando uma agulha no meu seio – meu maior medo, porque sempre considerei muito aflitivo. Fui acompanhada pela Claudia Mota, uma das minhas mais próximas amigas-irmãs maternas.

Pois não é que tirei de letra? Durante a ressonância, meditei, orei e até cheguei a me soltar do corpo, mesmo com todo aquele barulho infernal.

E durante a biópsia, bem quando estavam enfiando a agulha da anestesia – procedimento aliás feito por uma delicadíssima médica nascida em Montes Claros (é claro que falamos de Darcy Ribeiro), ouvi D. Addy me dizendo: “nunca iria deixar de acompanhar você nesse momento, você sempre acompanhou minha filha quando ela teve câncer de mama…” E então me lembrei do que não lembrava mais. De fato, estive sempre com a filha da D.Addy, a Neyde, que mais tarde teria metástase e viria a falecer antes da mãe, indo fazer orações, dando passes, prescrevendo receitas mediúnicas homeopáticas para diminuir os efeitos da químio ( durante muitos anos fiz receituário mediúnico e depois deixei por falta de tempo). E ali estava a Addy em espírito, me confortando. Quase nem senti a agulha no meu seio.

À espera do resultado da biópsia, agora estou calma, preenchida de amor e aceitando o que vier, para enfrentar com coragem e fé, claro que, preferindo que o resultado seja negativo.

Primeiras lições colhidas nesses poucos dias:

  • Por mais queiramos ter controle de tudo, a vida flui além da nossa vontade e nos apresenta desafios inesperados.
  • O bem que se planta, por mais singelo e despretensioso, sempre é fecundado por Deus e vamos colhê-lo mais adiante, quando menos esperamos.
  • O universo tem amor em abundância, basta precisarmos e nos abrirmos para ele, que nos sentimos fartos e amparados.
  • “O senhor é meu pastor, nada me faltará!” Salmo que me acompanha diariamente e que ganhou novos sentidos nesses últimos dias.

Resolvi escrever esse diário, porque a escrita pode ser sempre terapêutica, como me ensinou o querido amigo e terapeuta, Julio Peres, e porque pode ajudar outras pessoas.  E já como resultado das meditações desse primeiro impacto, fiz hoje a poesia abaixo:

Irmã morte

A morte sempre aparece

Como um sinal de vida

Anda à espreita, escondida

Atrás de qualquer assombro

Caminha no ombro a ombro

De nossa jornada cumprida

De nossa saudade mais linda

De nossa pendência perdida!

É preciso estar sempre pronto

Colando os pedaços esparsos

Desconfrontando o confronto

Retomando silêncios e abraços

Usando com muita fartura

Todo perdão que cura

E toda união que costura…

Assim, a morte é uma irmã

Bem vinda quando vier,

Na hora que Deus quiser

Na fresta de nova manhã

Com gosto de aurora e romã,

Com gosto de casa, agasalho e avelã!