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Diário da mama 4 – Anúncio do Calvário

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Será excessivo chamar de calvário a previsão de 5 meses de quimioterapia, depois cirurgia e depois rádio? Sei que há muita gente que passa por calvários mais longos, mais torturantes e que parecem sem fim, mas para mim, esse prenúncio me fez tremer nas bases. Assim foi a orientação da equipe do AC Camargo, depois da análise do meu caso.

Nessa semana, passei longas horas no hospital, entre consultas, exames e orientações. Saí carregada de papeis, com um calendário cheio para os próximos dois meses, não só para as aplicações de químio, mas também para profissionais da equipe multidisciplinar: nutricionista, psicólogo (apesar de já estar fazendo terapia por conta própria), endócrino, a enfermagem que acompanha a químio… tudo muito organizado, assertivo, acolhedor.

Mas também desanimador. Quando lemos e ouvimos sobre os efeitos colaterais da droga, agressiva, avassaladora, que vai fazer cair o cabelo, descamar a pele, abaixar a imunidade, que pode mexer com o intestino e o estômago, que pode causar neuropatia e até atacar o coração… meu Jesus Cristinho, é muito veneno sendo injetado em nosso corpo! E não há alternativa, à esperança de que esse ataque diminua o tumor e a operação possa ser menos invasiva e causar menos danos.

Mas o chão parece faltar. Racionalmente sabemos que nem todos os efeitos estarão presentes, que cada pessoa é uma pessoa (embora eu tenha o fator complicador da diabete), mas sempre nos perguntamos: e se eu for aquela pequena parte da estatística que teve a sequela mais grave?

E o chão parece faltar também em relação ao trabalho: será que darei conta de me cuidar, de descansar, de realizar tudo o que é inadiável e necessário para a minha sobrevivência?

Então é a hora da entrega, da confiança, da oração e do colo dos que nos amam. A onda de desânimo vem e depois se esvai. Vamos enfrentar no plural, porque tenho muita gente comigo, desse lado e do outro lado da vida.

O calvário se inicia dia 26 de maio e se até Jesus disse do Horto: “Pai, afasta de mim esse cálice, mas faça-se a tua vontade e não a minha”, então também posso me mostrar hesitante e vulnerável, lembrando que Ele está comigo e que milhões de mulheres, como eu, já passaram ou estão passando por isso… Estamos juntas.

Um instante

Um trecho da estrada escureceu

E assombra-me que a lua se escondeu.

Parece que a poesia se faz rala

E uma nesga de fel me avassala…

Que será que Deus quer comigo

Nesse instante fugaz de desabrigo?

Que há de certo num poema

Que na garganta se entala?

Fecho os olhos, respiro,

Procuro no alto da montanha

Um fôlego, um retiro

Que me acuda nessa dor tamanha…

E aí estás, coração divino,

Em que doce, me reclino…

Coração que se espraia no universo inteiro

Que é sólido, fagueiro,

Infinito luzeiro

Para inundar de paz

O minuto passageiro…


Diário da mama 1 (Será câncer?)

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Eu já havia conversado com os meus guias, com Deus, com Jesus ou com qualquer um acima de direito, que não queria duas coisas na vida: nenhum problema nos olhos, de que tenho aflição extrema e nenhum problema na mama. Para o segundo caso, tomei todas as precauções possíveis: nunca fiz reposição hormonal, sempre evitei desodorantes spray, nunca usei sutiã apertado e me consolava dizendo que não há um caso de câncer de mama na família, apesar de casos de outros tipos câncer de todos os lados: pai, mãe, avós…

Meses atrás, porém, apalpei um nódulo no banho. Fiquei um pouco preocupada, mas não pude ir ver logo e não me esforcei para contornar os obstáculos – COVID ainda atuando, o carro estava ruim e não estava licenciado para ir a SP, não tinha com quem deixar meu pai… desculpas?

Passaram-se alguns meses. E eu sempre me confortando: não temos câncer de mama na família. Processo de negação?

Num dia, na semana passada, vi que o nódulo estava maior e doendo, e fiquei a noite em claro, já além de preocupada, aflita.

No dia seguinte, marquei os exames numa das melhores referências em câncer no Brasil, o hospital AC Camargo, em São Paulo, onde aliás meu pai trata há 20 anos de um câncer nas cordas vocais, agora em remissão. Felizmente o meu convênio cobre totalmente qualquer procedimento neste hospital – convênio pelo qual me mato para pagar. Minha conta mais alta.

E fui para a mamografia e para o ultrassom de mamas. Já tinha um pedido que minha endócrino – Glaucia Duarte, com quem também já falei durante o sufoco dos últimos dias – havia feito ainda durante a pandemia. Não fazia esses exames de rotina desde antes do pesadelo pandêmico. E o outro pedido, minha querida vizinha médica, Leni, preencheu para mim.

O primeiro susto: o médico do ultrassom chamou o outro e os dois examinaram longamente e avisaram que eu precisaria ver aquilo com urgência, que havia um nódulo suspeito no seio e um linfonodo na axila.

O olhar de preocupação e o longo silêncio dos dois já me abalaram.

E aí as coisas se sucederam. Passei numa médica do mesmo hospital e ela (coisa por mim nunca vista) ao me dar a notícia de que tinha muita chance de ser câncer, pegou nas minhas mãos e olhou nos meus olhos – depois soube que se trata de um protocolo – Spikes – para dar notícias ruins. Mas nunca havia visto tal protocolo posto  em prática por qualquer médico.

E ontem foi o dia da biópsia e enquanto escrevo isso, ainda não sei o resultado – só sei por enquanto, que a classificação do nódulo é BI – RADS 4c – o que significa uma enorme chance de ser maligno.

Fiquei mal… não tenho o mínimo medo da morte, embora não tenha o mínimo desejo de morrer agora. Ainda tenho muita coisa a fazer e algumas pessoas de quem cuidar, sobretudo minha responsabilidade direta, meu pai de 85 anos. Mas uma série de assombrações me tiraram o chão: como vou trabalhar – e dependo do trabalho de cada dia para comer, pagar as contas e o convênio? Quem vai cuidar do meu pai, que ainda tem autonomia, mas está bastante dependente de mim? E meus cursos, meus pacientes, meus livros, minhas lives e toda a multidão de coisas que faço?

“Slow down, Doris” – me disse uma pessoa amada, Franklin, que me chama por esse apelido.

“Ah, minha amiga! Sei que o susto é grande, mas abandona todas as tuas inseguranças, inclusive as financeiras, porque tu e teu pai não estão em perigo. Haverá sempre aqueles que inspiraremos, e que estarão ao teu lado para, se preciso for, amparar-te, enquanto completas as lições que a Vida – outro nome para Deus – quer te ensinar” – disse um espírito amigo pela psicografia do amigo Rodrigo.

Ante o susto e a aflição, procurei familiares e amigos deste e do outro lado da vida. Mensagens, telefonemas, orações, evocações, reuniões mediúnicas… e recebi uma avalanche de amor! Muitos me oferecendo ajuda financeira, preces, companhia, hospedagem em São Paulo….

Na noite de quinta, um dia antes da biópsia, reuni-me presencialmente com nosso grupo mediúnico. Durante as orações e entre as mensagens que recebi, apresentou-se D.Addy, uma alma muito querida, que foi médium de cura em vida, com quem convivi e trabalhei durante mais de 30 anos. E ela me disse: “vou te acompanhar em todo processo”.

No dia seguinte, ontem, era o dia para mim já aflitivo, pois implicava em dois desafios: enfrentar a ressonância magnética porque tenho claustrofobia, e saber e sentir que estavam enfiando uma agulha no meu seio – meu maior medo, porque sempre considerei muito aflitivo. Fui acompanhada pela Claudia Mota, uma das minhas mais próximas amigas-irmãs maternas.

Pois não é que tirei de letra? Durante a ressonância, meditei, orei e até cheguei a me soltar do corpo, mesmo com todo aquele barulho infernal.

E durante a biópsia, bem quando estavam enfiando a agulha da anestesia – procedimento aliás feito por uma delicadíssima médica nascida em Montes Claros (é claro que falamos de Darcy Ribeiro), ouvi D. Addy me dizendo: “nunca iria deixar de acompanhar você nesse momento, você sempre acompanhou minha filha quando ela teve câncer de mama…” E então me lembrei do que não lembrava mais. De fato, estive sempre com a filha da D.Addy, a Neyde, que mais tarde teria metástase e viria a falecer antes da mãe, indo fazer orações, dando passes, prescrevendo receitas mediúnicas homeopáticas para diminuir os efeitos da químio ( durante muitos anos fiz receituário mediúnico e depois deixei por falta de tempo). E ali estava a Addy em espírito, me confortando. Quase nem senti a agulha no meu seio.

À espera do resultado da biópsia, agora estou calma, preenchida de amor e aceitando o que vier, para enfrentar com coragem e fé, claro que, preferindo que o resultado seja negativo.

Primeiras lições colhidas nesses poucos dias:

  • Por mais queiramos ter controle de tudo, a vida flui além da nossa vontade e nos apresenta desafios inesperados.
  • O bem que se planta, por mais singelo e despretensioso, sempre é fecundado por Deus e vamos colhê-lo mais adiante, quando menos esperamos.
  • O universo tem amor em abundância, basta precisarmos e nos abrirmos para ele, que nos sentimos fartos e amparados.
  • “O senhor é meu pastor, nada me faltará!” Salmo que me acompanha diariamente e que ganhou novos sentidos nesses últimos dias.

Resolvi escrever esse diário, porque a escrita pode ser sempre terapêutica, como me ensinou o querido amigo e terapeuta, Julio Peres, e porque pode ajudar outras pessoas.  E já como resultado das meditações desse primeiro impacto, fiz hoje a poesia abaixo:

Irmã morte

A morte sempre aparece

Como um sinal de vida

Anda à espreita, escondida

Atrás de qualquer assombro

Caminha no ombro a ombro

De nossa jornada cumprida

De nossa saudade mais linda

De nossa pendência perdida!

É preciso estar sempre pronto

Colando os pedaços esparsos

Desconfrontando o confronto

Retomando silêncios e abraços

Usando com muita fartura

Todo perdão que cura

E toda união que costura…

Assim, a morte é uma irmã

Bem vinda quando vier,

Na hora que Deus quiser

Na fresta de nova manhã

Com gosto de aurora e romã,

Com gosto de casa, agasalho e avelã!