
Arte de Erika Lourenço
Sábado de manhã, o sol entrando pleno pelas janelas da sala e eu me sinto eu mesma, como se tivesse acordado de um período sonambúlico, em que estava me procurando. Alívio, esperança nas luzes do dia.
Os dias que se sucederam à químio foram difíceis. Dores intensas de cabeça, tontura, enjoo (menos do que o esperado), cansaço extremo e uma intercorrência: uma gastrite aguda medicamentosa.
A sensação era de que tinham me jogado violentamente contra um muro e eu não conseguia voltar a mim, tomar prumo, saber o que estava acontecendo. Quase plenamente bem, só 8 dias depois. Mesmo assim, trabalhei, cozinhei (pelo menos duas vezes), fui a supermercado, farmácia… tive que levar meu pai ao hospital numa emergência (está tudo bem agora), mas repousei muito mais do que gostaria. O principal clamor de qualquer doença é esse: o corpo suplicando descanso, que em tempos normais ele não teria. Eis uma dura lição: não ouvimos nosso corpo. Eu às vezes finjo que ele não existe. E eis que que ele se impõe de maneira dolorosa. Vejam que falo do corpo em terceira pessoa, como se não fosse parte de mim. Faz parte. Mas penso de verdade que sou mais do que o corpo.
No meio do caminho desses dias pós químio, raspei a cabeça. Chamei o meu amigo cabeleireiro Marcus Wagner em casa (com medo do Covid voando pelo salão) e pedi a máquina 0. Por quê? Iria cair mesmo, não queria que meus fios já tão alquebrados escorressem pelas minhas mãos. Então me adiantei, pelo menos para manter o controle da situação. Comprei e desenterrei do armário lenços, boinas, turbantes… estou experimentando e fazendo disso um ensaio estético. Não se deve perder a classe, não se deve entregar os pontos – aprendi com minha avó, com minha mãe e meu pai.
Ao raspar a cabeça, senti-me irmanada com monjas e prisioneiras, e com outras tantas milhões de mulheres que passaram e passam por tratamento de câncer e não me senti nem só, nem entristecida. Uma etapa do processo, na esperança de que meus cabelos renasçam mais fortes, mais à frente. Como eu mesma.
Em toda a caminhada, estou sendo acompanhada por olhares amorosos, palavras acolhedoras, afetos profundos, ajudas inesperadas, presenças espirituais quase palpáveis… E constato como apesar dos pesares, há amor no universo, há empatia, há humanidade humana!
E hoje, nesse sábado ensolarado, em que me sinto muito bem, abastecida de amor, a poesia cabe mais do nunca.
Presenças
O sol é presença
Metáfora da luz
Escondida na vida.
É pertença na lida.
A vida, essa teia
Que se alteia
De afetos e trocas.
E quando a dor nos desloca
Nos provoca
Nos toca e retoca
Eis que o sol que ilumina
É a força divina
Que nos sublima.
4 junho, 2022 at 9:53 am
❤️💐
4 junho, 2022 at 10:18 am
Dora, que o mestre Jesus te abençoe e ilumine seus caminhos. Um abraço 🌺🌻
4 junho, 2022 at 12:15 pm
Meu Deus , você não cansa de me inspirar ? Na minha família tivemos dois episódios de câncer em mulheres e a parte do cabelo , as vezes muito menosprezada, foi muito dolorida pra ambas . Eu ao contrário , achava bonito ver o formato da cabeça , do corpo humano , desse instrumento que nos foi fornecido pra atuar por aqui . Achei muito forte saber que você fez a opcao . Me soa como uma maneira de mostrar : eu ainda mantenho o controle sobre mim ! Outra coisa que me chamou muita atenção foi a questão de ouvir o corpo . Estou me tratando de uma depressão severa ( já bem melhor ) , mas nos primeiros meses não saia da cama . A sensação nítida que eu tinha era essa : que meu corpo implorava para que eu parasse e olhasse pra dentro . E hoje digo que apesar de tanta dor , a minha depressão me trouxe muita coisa boa ! Me fez rever muita coisa . Quanto às monjas e as prisioneiras : as duas ! Te acho sabia e firme como uma monja , mas também consigo te imaginar sendo presa em alguma reunião secreta contra algum sistema totalitário , o que te levaria orgulhosa ( e temerosa ) de seus valores ao cárcere . Força , Dorinha ! Tem um mocinha aqui no Rio que te tem como exemplo e está orando todos os dias . Grande beijo !
4 junho, 2022 at 1:33 pm
Receba meu abraço fraterno diretamente da floresta amazônica, com energia de cura e conforto espiritual e físico, querida! Bom fim de semana!
4 junho, 2022 at 2:58 pm
Boa tarde, Professora!
A despeito de tudo, é possível identificar a vossa coragem, a vossa disposição, a vossa força… o que nos alegra e nos reanima.
Cá ficamos na expectativa dos lenços, ficará ainda mais bonita, charmosa, elegante… Deus a abençoe!
Coragem!
4 junho, 2022 at 5:23 pm
Parabéns por tanta força e doçura.
Nunca estamos sós!
Vou acompanhar sua jornada com amor e aprendizagem.
Acompanhei recentemente percurso semelhante da minha amiga irma Rosana Rita – tambem amiga da Claudia Mota.
Mulheres fantásticas q somos, juntas então…
Pra cima, pra frente , como o Sol , sempre.
Querida Dora, já me sinto próxima a vc.
Conte comigo em SP no q precisar.
Abraços fraternos!
4 junho, 2022 at 5:59 pm
Gratidão por compartilhar sua experiência.
Com tudo tudo que está vivenciando, consegue nos trazer leveza em seu relato e poesia, postura que apenas uma nobreza de alma poderia nos proporcionar.
Tens minhas melhores vibrações.🙏🏻💐
5 junho, 2022 at 8:16 am
Feliz ao ler essa linda poesia e esperançoso ao vê-la nessa batalha que sei que vencerá. Um beijo.
5 junho, 2022 at 11:25 am
Querida Dora, lendo seus depoimentos me sinto tão próxima de ti, mesmo sem nunca termos nos visto….. Não tenho câncer, mas seus relatos cabem tão bem para a caminhada de todos nós…. você está aprendendo e nós contigo ….somos todos um….imerso num corpo divino que nos impulsiona pra frente… gratidão Dora…. saúde, saúde saúde!❤️
5 junho, 2022 at 4:01 pm
Dora, lhe conhecer pela sua escrita é encantador. Admiro a facilidade e fluidez do seu pensamento. É como se estivesse ao seu lado ouvindo sua história. E por falar em sua história, aproveito para enviar fluidos fortalecedores. Muito Grata por nos permitir caminhar ao seu lado nesse momento tão delicado
6 junho, 2022 at 1:57 pm
Dori, gratidão pelo seu existir.
Saúde, paz e bem para você.
9 junho, 2022 at 6:16 pm
Continue firme no seu projeto de VIDA! Vc vencerá! Fique com Deus, Dora, querida!
Abraço e vibrações de cura pra vc! 🙏🏼😘
11 junho, 2022 at 8:57 am
Falei contigo há pouco. Decidi, então, deixar um comentário, porque gosto dos teus escritos e também porque quero deixar em registro o que sinto acompanhando este blog.
Esperança lúcida. Eis a impressão sentida que vem mais forte pelos afetos que teus textos, aqui, me trazem.
Esperança no belo que é bom e justo, que aqui se expressa na delicadeza de um estilo de escrita que por alguns segundos nos desloca da realidade pelo seu lirismo, para depois nos depositar de novo na vida objetiva. Afinal, tua palavra representa teu viver atual. Uma representação lúcida de quem vê além. Sim, você é – somos – mais do que corpo, posto ser alma!
Beijo com muito carinho
4 julho, 2022 at 11:04 am
Dora querida! sua voz é inspiradora! e me vejo em muitos dos seus relatos, que são espelhos reluzentes para vermos a vida, cada um com seus desafios. Nunca tive câncer mas é a forma de perceber e ultrapassar os desafios que nos une como seres humanos em ascensão espiritual. Estamos juntas ligadas por fios de amor e admiração! Um grande abraço!