Há pouco mais de 300 anos que a civilização descobriu a infância. O que significa isso? A criança não valia nada durante toda a história – não era sujeito de direitos, não era lamentada, se morta; não havia literatura a ela direcionada, as escolas não tinham métodos adequados para desenvolver-lhe os talentos, a criança não tinha voz alguma e… não era considerada criança. Isso significa que não era vista como um ser em desenvolvimento, com necessidades especiais, merecedora de respeito em sua fase de amadurecimento. Não se condenava socialmente a pedofilia, o espancamento de crianças na escola e em casa era coisa corriqueira, o trabalho infantil era legal.
Depois de grandes educadores, como Comenius, Rousseau, Pestalozzi, Montessori, Janusz Korzcak, que trabalharam incansavelmente pela infância, demonstrando nos últimos séculos, que a criança é criança, e não um adulto em miniatura, tem que ser tratada e respeitada enquanto tal – uma nova cultura e até uma nova legislação passaram a vigorar em muitos países. A Declaração Universal dos Direitos das Crianças inspira legislações locais, como o nosso Estatuto da Criança e do Adolescente.
Entretanto, apesar desses avanços, ainda a criança está longe de ter a voz que merece, de ser respeitada em sua especificidade infantil, de ser tratada com o amor que faria com que ela desabrochasse plenamente suas potencialidades.
Apesar de condenada socialmente, a pedofilia é um fato por demais frequente em todo o mundo e, o que é pior, dentro das famílias de todas as classes sociais; a violência contra a criança, em casa ou na sociedade é algo por demais comum; a exploração do trabalho infantil toma proporções indecentes na China e acontece diante de nosso nariz, aqui mesmo no Brasil! Então, a militância para que as crianças tenham seus direitos, tenham voz, é uma necessidade constante, uma urgência humanitária. Acontece que todos os setores sociais têm sua representatividade, sua militância, sua voz: as mulheres, há 200 anos têm lutado por sua igualdade e suas conquistas são patentes; as minorias étnicas, sexuais – todos vão às ruas, reivindicam… mas e a criança? Ela é tutelada! Não pode denunciar o pai que a estrupa, a mãe que a massacra, a escola que a tortura psiquicamente e não cumpre seu papel… Não pode ir às ruas, ao Congresso Nacional, não têm sites, não aparece entrevistada na televisão, opinando sobre as condições em que vive. A criança não tem canais de manifestação e de reivindicação – quando ela pode falar, como adulta, o estrago já foi feito, o sofrimento já foi desmedido, a marca já se tornou irreversível. Então, cumpre-nos falar por ela, lutar pela criança e emprestar-lhe a nossa voz.
Mas se pensamos que a criança só é desrespeitada nesses casos extremos de abuso sexual, espancamento e trabalho infantil, estamos muito enganados. Digo sempre que a infância é o último reduto da tirania. Em nosso cotidiano, entre pessoas “normais” e “civilizadas”, que não admitiriam a pedofilia, a violência e a exploração, ainda aí a criança é desrespeitada em todas as situações. Vamos enumerar algumas:
• Na propaganda diária da TV, a que está exposta e de que os pais não reclamam, ou se reclamam, nada fazem ou acham que nada podem fazer. Aí as crianças são manipuladas para um consumismo desenfreado, para uma alimentação de lixo, para uma arte degenerada, para uma estimulação sexual precoce e para uma violência desmedida… e ninguém toma uma atitude.
• A escola, com lousa, nota, provas, aulas de desinteressantes de 50 minutos, dadas por professores arcaicos, despreparados, mal pagos, desestimulados … é uma prisão da criatividade infantil, um processo de morte lenta de seus talentos, de sua curiosidade, de seu impulso de desenvolvimento. Essa escola tradicional nunca atendeu às necessidades, curiosidades e capacidades da infância e, muito menos, da infância do século XXI!
• A negligência a que a criança hoje está exposta. Muitos pais (de todas as classes sociais) não colocam os filhos em primeiro lugar e a criança deveria ser sempre a prioridade na família, na escola e na sociedade. Pois a criança é a melhor parte da humanidade, ainda não corrompida, com promessas maravilhosas, que se não cumpridas, se tornam essa frustração dos adultos amargados. A criança é o futuro e quem não prioriza o futuro está se condenando ao retrocesso! As crianças estão com fome de atenção, de carinho, de diálogo, de olhos nos olhos!
• As relações com as crianças ainda padecem de muitos vícios imperdoáveis: gritamos o tempo todo com esses seres sensíveis; achamos normal mentir para essas pessoinhas tão sinceras e crédulas… Temos o hábito de desprezar suas opiniões e de não conversarmos com elas, de maneira respeitosa, serena e amorosa!
Como se vê, ainda temos muito o que conquistar para que as crianças tenham uma vida feliz nesse planeta, recebam o amor que merecem e possam desabrochar como seres inteiros, para uma vida plena!
Há muitos anos, num congresso em Curitiba, elaborei o que chamei de Decálogo do Educador Espírita (mas, se tirarmos o item da reencarnação, pode ser simplesmente o Decálogo do Educador):
1) Prometo ajudar a extrair da criança seus germes divinos, reverenciando nela a presença do Criador.
2) Prometo olhar a criança como um ser integral, individualidade livre, dotada de direitos.
3) Prometo me dedicar à criança com amor e respeito.
4) Prometo permitir a criança aprender por si mesma.
5) Prometo aprender da criança a sua ternura, sinceridade e senso de justiça.
6) Prometo ser exemplo à criança de integridade e de bom senso.
7) Prometo ser para a criança o amigo que ouve, o pai que oferece segurança, a mãe que dá aconchego.
8) Prometo enxergar na criança um ser reencarnado com uma herança a ser trabalhada.
9) Prometo favorecer a criança para que descubra e cumpra sua tarefa existencial.
10) Prometo abrir à criança o caminho para um mundo mais fraterno e feliz.
Às crianças do mundo inteiro, o voto de que num breve futuro, todos os dias sejam das crianças!
12 outubro, 2011 at 9:17 am
Magnânima como sempre, é isso aí temos que mudar muito para que tenhamos não só crianças mais felizes como também adultos com menos traumas…
12 outubro, 2011 at 10:39 am
O AMOR PELA CRIANÇA DEVE DESPERTAR EM NÓS O FIRME PROPÓSITO DE FAZER O NOSSO MELHOR,, FORTALECER NOSSA VONTADE DE FAZER UMA REFORMA INTIMA, NO SENTIDO DE DAR BONS EXEMPLOS COM MUITO AMOR.
12 outubro, 2011 at 1:53 pm
Querida Dora,
Você não tem dimensão da alegria que tenho ao abrir meu e-mail e ver que você postou algo no seu blog…Hoje, especialmente, me emocionei muito com o resgate histórico que você faz sobre a criança ser social sem voz….até os dias de hoje.Aí pensei que poderíamos ter organizado um evento para lembrar isso…Poderíamos ter saído às ruas distribuindo panfletos e conversado com as pessoas sobre essa triste realidade.Afinal, queremos fazer parte ativa no processo de regeneração do planetinha azul, não é mesmo? Está aí uma causa que realmente vale a pena lutar!Pais sorridentes e crianças felizes com seus brinquedos e sem dimensão que estão sendo tratadas como brinquedos por essa sociedade consumista.Isso sem contar os excluídos até da própria possibilidade do mínimo social
Dora, parabéns!A cada dia que passa fica mais patente o tamanho do teu coração e o quanto você contribui para um mundo melhor.Um feliz dia das crianças para você junto dos sobrinhos amados.
Beijos no teu coração.
Roseli
12 outubro, 2011 at 5:41 pm
Por saber que eu não estava preparada para fazer tudo isto por uma criança optei por não ter filhos, se é pra entortar uma cabeça ou um espírito que seja o meu espírito ou minha cabeça, e hoje ao ler este post tive a certeza que tomei a atitude correta.
12 outubro, 2011 at 7:46 pm
Sempre vi as crianças como serem temporariamente sob nossa tutela, na medida em que necessitam de nós. Essa necessidade muda com o tempo e precisamos ser sensíveis a isso. Acho que o nosso objetivo como pais é permitir que elas se desenvolvam de acordo com suas potencialidades e inclinações, e que aprendam a viver de modo autêntico e independentes de nós. Portanto, Dora, concordo com seu texto.
Grande abraço.
13 outubro, 2011 at 1:21 pm
Parabéns!
Precursora da luta pelos verdadeiros direitos das crianças. Sem nenhuma falsidade social, porém dotada de amor, de respeito e, como diria o filósofo Huberto Rohden: “Uma pessoa clarificada”, que tem olhos de ver e ouvidos de ouvir.
Que Deus abençoe você e sua magnífica obra, que há de frutificar a fim de que, no futuro, novos trabalhadores do bem possam continuar até que cheguemos a um mundo melhor, mais humano e mais fraterno.
14 novembro, 2011 at 9:55 am
Ao ouvi-la e vê-la,concluí que você é a pessoa que desejava encontrar. Suas colocações, observações, entendimento e sabedoria me comovem. Explendorosa mulher que canta e encanta. Me perdoe o verbo banal, encanto. A partir deste exato e preciso momento, mergulharei neste oceano de aprendizagem. AMOR E RESPEITO pelas crianças, identifiquei-me. Plasmo suas palavras em mim. Gratíssima pela sua existência nesta encarnação.Suas obras serão parte no cotidiano de amigos professores que com ética absorvem o que é de engrandecimento espiritual. Sou autodidata, bicho do mato, tentando decifrar-me como.Como aves migratórias fazemos a travessía das encarnações, conhecendo-nos pelo verbo.Abraço fraterno e amigo com aromas de flores de pitangueira.
12 dezembro, 2011 at 10:00 pm
Boa noite, Dora.
Ouvi falar de você hoje no centro que frequento e, ao ler esse artigo me identifiquei logo contigo. Sou professora na Educação Infantil (jardim II), formada em Letras e com o Magistério como Ensino Médio e, atualmente concluindo o curso de Especialização em Educação Infantil/UFG, compartilho tudo o que você disse tenho alguns contratempos na instituição que trabalho porque luto para que as crianças tenham voz e respeito pois elas não são o futuro elas são o hoje, se pensarmos que as crianças serão o futuro tiramos delas o direito de ser criança hoje e isso elas tem urgência em viver.
Mas ouvi falar de ti porque estou escrevendo meu TCC e tenho como base de meus estudos as interações numa abordagem Vygotskyana e, estudando vida e obra de Vygotsky, percebo nele um cara inteligentíssimo, judeu em sua última encarnação, desencarnou aos 37 anos em 1934, vítima de tuberculose, dedicou sua vida à educação e às funções da mente, também fora criticado por aplicar testes de QI, mas em sua curta encarnação tem estudos maravilhosos, e eu como espiritualista que sou e estudiosa do assunto quero saber se há alguma obra psicografada de Lev Semionovich Vygotsky, porque vejo nele uma alma evoluida e quero saber o que a espiritualidade tem a dizer de um cara assim, pois sua inteligencia é impressionante.
Aguardo ansiosa por sua resposta. Abraços fraternos.
12 dezembro, 2011 at 10:08 pm
Querida Helen! Eu não tenho conhecimento de nenhuma comunicação de Vygotsky. Eu mesma recebi vários educadores, mas dele nenhuma palavra!
Quando eu tiver oportunidade, farei uma evocação – pois Kardec fazia e desde que seja feito com seriedade e propósitos úteis, podemos muito bem seguir a metodologia de Kardec. No aguardo, grande abraço!