Um grande e inspirador amigo que tive, Dr. Tomás Novelino, fundador do Educandário Pestalozzi de Franca (SP), médico e educador, sempre dizia o seguinte para pessoas que lhe vinham com pensamentos pessimistas a respeito do mundo: quem está trabalhando pelo bem, quem está fazendo a sua parte, não sente desânimo e nem vê o mundo com cores negras.
Essa lembrança querida abre minhas reflexões nesse texto, já que os tempos de hoje se apresentam a muitos olhos com cores bastante sombrias.
De fato, não faltam notícias tristes, sangrentas, nauseantes. E não é difícil nos deixarmos envolver por ondas de depressão e descrença, quando nos sintonizamos com todo o acervo de injustiças, problemas, crueldades, ataques à dignidade humana, depredação da natureza… e poderíamos aqui estender o quadro indefinidamente.
No meio de tudo isso, porém, o bem existe. Mas, como dizia Gandhi: o bem anda com a velocidade de uma lesma. E poderíamos acrescentar, anda com o silêncio de uma lesma. O bem não faz alarde, porque justamente o que caracteriza o justo, o bom, o nobre, o elevado, é não querer se sobressair, não querer o poder, a publicidade e a ostentação a qualquer custo. Quem é do bem age por amor, por compaixão, por solidariedade, por idealismo e não por dinheiro, fama, poder, luxo e prazer sensorial.
Os bons são motivados pelo bem em si e não pelo desejo de projeção do ego. É claro que as coisas nesse mundo nunca são tão puras. Às vezes vaidades se misturam a ideais nobres, ambições pessoais apequenam grandes projetos. Mas se persistimos no trilho do idealismo e da vontade sincera de servir, com o tempo, as ilusões egóicas, os mesquinhos interesses monetários vão se desmanchando diante de nossa compaixão pelas dores humanas, de nosso intenso desejo de contribuir para a mudança do mundo.
Mas o que é trabalhar pelo bem, fazer a sua parte nesse mundo? Aquilo que Novelino dizia que poderia nos preencher por dentro de tal forma que não sentiríamos esse desânimo diante das mazelas ainda grandes da humanidade?
Trata-se de descobrir (ou inventar, como quiserem) nosso sentido de existir, nosso projeto de vida e seguir em coerência com ele. E esse projeto, claro, precisa ter alguma meta de contribuir com algo de bom para o meio em que vivemos. Não importa o aparentemente pequeno ou claramente grande alcance do que fazemos. Importa a integridade, a força, o amor, a coerência que pomos em nossa ação. Por exemplo, a mãe de Gandhi simplesmente o educou. Uma tarefa que pode parecer corriqueira, comum. E no entanto, exerceu uma influência sobre uma alma, que exerceu influência sobre o mundo todo. Lembrei-me agora de Cora Coralina, fazendo doces a vida toda, e depois poesias tão fortes e sábias que, na velhice, ultrapassaram de muito a sua cozinha.
Recordei de Jesus… um filho de carpinteiro, com doze amigos pobres, pescadores, quase todos analfabetos, e que mudou a face do mundo.
Há tantos exemplos, em todas as épocas, em todos os setores, em todas as culturas, em todas as religiões (ou fora delas), que só de conhecê-los, nos sentimos vivificados e inspirados. (Aliás, por isso mesmo que criamos a série Grandes Pessoas, para as crianças, na Editora Comenius, com a ideia de trazer para as novas gerações essas inspirações).
Então, trata-se de planejar a própria vida a cada instante, no sentido de estarmos conectados com essa meta maior, que nos ultrapassa, que é contribuir para o bem da humanidade. Em cada profissão útil e digna podemos fazer isso. Em cada grupo pequeno ou grande, podemos fazer isso. Pode-se simplesmente ser um médico, mas pode-se ser um médico humano, cuidadoso, sinceramente interessado em seus pacientes, responsável, estudioso, com boa comunicação. Pode-se simplesmente ser um professor, mas pode-se ser um educador, que faz vínculo com seus alunos, que os contagia com amor e com a vontade de aprender, que se empenha pelo seu desenvolvimento integral. Pode-se simplesmente ser qualquer profissional minimamente competente, mas pode-se ser um profissional humano, que luta pela melhoria do outro e não para lhe passar a perna, que escuta os problemas dos companheiros e faz o que pode para atenuá-los, que se coloca à frente para cumprir suas tarefas com empenho e alegria e não encosta o corpo… que enfim, luta por situações de trabalho mais justas e mais satisfatórias para todos. Pode-se simplesmente ter uma família, mas pode-se ser um pai, uma mãe, um irmão, um filho, uma filha, um neto, uma neta especial, que se dedica de corpo e alma ao bem-estar físico e espiritual dos seus, que se sacrifica, que se entrega, que tem afeto pleno e equilibrado, consistente e persistente.
Podemos assim fazer a diferença em qualquer lugar – eis o que quero dizer, desde que estejamos alinhados com nossa vocação, conectados com nossa missão existencial e coerentes com nossos projetos de vida.
E mesmo assim, podemos desanimar!
E é para esse momentâneo desânimo dos bons, dos empenhados, dos lutadores, dos que estão fazendo a sua parte, que dedico principalmente esse texto.
Lembro-me agora de outro grande amigo e mestre que tive, que foi Herculano Pires. Ele costumava dizer que não deveríamos ter complexo de Deus. E cito também o maravilhoso e antigo livro hindu Bhagavad Gita, que recomendava nos desapegarmos do resultado de nossas ações.
O que quer dizer isso? Quer dizer que devemos ter paciência e serenidade diante da lentidão do bem, do aprendizado nosso, dos outros, da humanidade. Estamos numa escola experimental. O erro faz parte de nossas experiências de evolução. Mas, é claro, que só a perspectiva de Deus e da eternidade é que pode nos dar essa visão serena e humilde, sabendo que o bem nos precede e nos transcende, e que fazendo nossa parte, bem feita, estaremos fazendo a justa medida que devemos fazer, sabendo que um dia, todo o resto passará.
9 novembro, 2015 at 11:24 pm
Veio na hora certa!
Obrigada.
Deise
9 novembro, 2015 at 11:46 pm
É isso, Dora!
10 novembro, 2015 at 12:00 am
E assim cada ação no bem, cada trabalho feito com vistas ao progresso coletivo – por pequenino que seja – torna-se uma potente oração de agradecimento, que vibra o bem, ressoa na esfera invisível e influencia para coisas melhores ainda se tornem realidade.
Por isso digo sempre que o trabalho feito com amor é uma oração.
10 novembro, 2015 at 8:15 am
Acredito que todos nós temos momentos de desanimo,
Essa reflexão veio como um copo d’água na hora da sede.
Obrigado .
10 novembro, 2015 at 8:29 am
Adorei! e sinto que estou fazendo minha parte. Quando decidi fazer arte com crianças ,pude sentir a alegria dos pais, principalmernte. Confesso que não imaginavao quanto era importante o que eu restava fazendo, pois em casa a arte sempre foi tão presente e de acesso livre aos meus filhos e netos. Obrigada por fortalecer ainda mais meu objetivo que é ensinar tudo o que sei. Abraços
10 novembro, 2015 at 8:45 am
Amei este artigo Dora. Parabéns. Obrigada.
10 novembro, 2015 at 12:05 pm
“Mas se persistimos no trilho do idealismo e da vontade sincera de servir, com o tempo, as ilusões egóicas, os mesquinhos interesses monetários vão se desmanchando diante de nossa compaixão pelas dores humanas, de nosso intenso desejo de contribuir para a mudança do mundo.”
“essa visão serena e humilde, sabendo que o bem nos precede e nos transcende, e que fazendo nossa parte, bem feita, estaremos fazendo a justa medida que devemos fazer, sabendo que um dia, todo o resto passará.”‘
Esses trechos foram os que mais me tocaram!
10 novembro, 2015 at 9:51 pm
Texto que nos revigora para continuarmos contribuindo para a felicidade da coletividade; tanto para os mais próximos de nós como aqueles que dependem indiretamente de nossas atividades do dia a dia.Grato
10 novembro, 2015 at 10:21 pm
Realmente muito inspirador todo o texto, creio que devo le-lo mais vezes, principalmente quando o desânimo insiste em minar minhas forças. O bem caminha como lesma, não devemos esperar resultados de nossas ações benéficas, entendi que mesmo que o mundo se apresente como tal está, o ânimo deve ser a minha, a nossa tônica na prática do bem e pensar que praticá-lo dever ser como plantar uma semente, deixar um eco benfazejo, fazer o bem à minha maneira, construir energias positivas, deixar um rastro de luz por onde passar, à minha moda será mais verdadeiro e com certeza me sentirei mais feliz!!!!!
12 novembro, 2015 at 10:32 am
Pelo que assisti, da fala da diretora do filme e das ações sociais ali documentadas, em sete países diferentes, creio que posso recomendar que assistamos ao filme de Mara Mourão: “Quem se importa”. De vez em quando precisamos de ‘injeção de ânimo’ para tocar a vida sem desanimar. Espero que seja uma boa dica.
16 novembro, 2015 at 12:59 am
Querida Dora Incontri,
Concordo com você…já tive muita pressa e muitas angústias por acreditar que meu trabalho era apenas uma gota no oceano e sofria por poder fazer tão pouco aos que necessitavam de tudo, até que aprendi com os conhecimentos espíritas isso tudo que você nos coloca de maneira tão doce e suave.Um abraço cheio de gratidão.
17 novembro, 2015 at 8:07 pm
Uma palestrante do CEF/Nova Friburgo comentou sobre sites que dão boas notícias. Achei mto interessante, pois, de fato, existem milhões de pessoas fazendo muita coisa linda e saudável nesse mundo “cão”.
Um dos objetivos da palestra é para que possamos, além de estarmos em contato com energias positivas, sem a alienação ou a sensação de impotência, contrapor uma boa notícia a cada má que ouvimos e/ou vemos.
Ainda vale à pena ser humano…
Obrigada, Dora! Irei conhecê-la, em breve, na Universidade Livre Pampédia.
Marilda