Cristóvão Colombo, o navegador, com suas grandezas e suas pequenezas, é considerado pelos seus biógrafos como um bom pai. Quando escrevia a seus filhos Diego e Hernando, costumava assinar assim: “Tu padre que te ama más que a si!” Acho bem interessante essa maneira de caracterizar a paternidade (e, sem dúvida, também a maternidade), porque ser pai e ser mãe significa exatamente ter a maior oportunidade de remover o egoísmo. Naturalmente, quem assume os filhos, e cumpre sua missão, sai de si mesmo, de sua zona de conforto e tem que doar-se inteiro, em cansaço, lutas, ideais, afeto, preocupações… mas, por outro lado, que colheita farta de amor, alegria, conforto na alma, de ver filhos crescendo, se fazendo, se tornando pessoas grandes e de bem!
A civilização contemporânea, com seu individualismo assumido, pregado aos quatro ventos, se põe contrária a essa tarefa (tanto paterna quanto materna), porque exige-se que pais e mães atuais primeiro têm de pensar na empresa, no emprego, vestir a camisa, não ter horário, não desobedecer ordens de viagens, horas-extras, transferências… não importa a vida familiar para o empregador anônimo capitalista. Em minhas viagens Brasil afora, eu como solteira (e saudosa dos sobrinhos), vejo nos aviões muitos pais e mães tristonhos, saudosos do lar, vejo outros enregelados, que assumiram esse discurso como bom e necessário e já deixaram para lá, e encontro muitos também que não pensam em ter filhos, porque acham não poderem coadunar família e trabalho.
É preciso, portanto, hoje, para haver pais e mães presentes (e não adianta falar que o que importa é a qualidade da convivência e não a quantidade, porque ninguém pode educar de fim de semana), nadar contra a maré, fazer resistência ao sistema, arranjar trabalhos alternativos, ou dividir os horários de trabalho entre pai e mãe, ou ainda, por um tempo, a mãe ficar em casa mesmo… enfim, é preciso encontrar atalhos e não se deixar engolir pelo sistema, para não acontecer depois que se descubra que os filhos cresceram, a infância com seus beijos e encantos se perdeu, e não há mais diálogo… ou pior, quando se descobre que a droga ou as más companhias já tomaram o lugar do afeto familiar.
Não é só o mercado de trabalho que disputa o espaço de convivência que os filhos precisam ter com os pais. Também o mercado sexual. A fidelidade, a relação harmoniosa e amorosa entre pai e mãe é o maior presente, a maior segurança, a maior fonte de estabilidade emocional, que se pode oferecer a uma criança. E é aí que o bicho pega. Novidades mil, estímulos de roldão, apelos desencontrados, homens e mulheres se atirando sobre mulheres e homens casados, o discurso predominante do prazer acima de tudo, mesmo acima do amor e da responsabilidade – esse é o cenário a que também se tem que resistir, pensando nos sorrisos maravilhosos que serão colhidos ao chegar em casa… A fidelidade não é algo que se entrega só ao cônjuge, é algo que se faz por toda a família, pelos filhos também. As crianças merecem que os pais ajam, correspondendo à confiança que neles depositam. Não mentir, não fingir, não enganar, não ter vida dupla, não sonegar presença integral – é fundamental para que haja um firme laço de afeto entre pais e filhos, sobre o qual se constrói a educação.
Mas não falemos apenas dos problemas, falemos das conquistas das últimas décadas, em relação ao exercício da paternidade. Hoje não é mais vergonha o pai se encantar com os filhos, chorar por eles, cuidar, trocar fraldas… isso tudo não é considerado mais apenas coisa de mulher. Há muitos pais participativos, sensíveis, presentes, que aproveitam intensamente a maravilha de serem pais. Já se sabe e se proclama que os pais não devem ser apenas provedores, mas precisam ser gente, amigos, companheiros… Hoje, em famílias esclarecidas, não se recorre mais ao pai para castigar e atuar como a autoridade autoritária, que violenta e se mantém distante afetivamente dos filhos. Infelizmente, não são todos os pais que cumprem sua paternidade, há ainda muitos que a abandonam. Mas, os que cumprem têm mais consciência de como cumpri-la, tem mais espaço para serem afetivos e podem ser pais mais plenamente.
Entre avanços e desafios, entre obstáculos e conquistas, estamos pois nesse processo complicado, mas rico, que é a evolução humana, que passa pela evolução social, cultural e individual.
Esperemos construir um milênio em que a família seja revalorizada – e pessoalmente considero que essa revalorização inclui o quesito da longevidade e não da descartabilidade – e onde se possam semear os frutos de uma educação mais equilibrada, mais empenhada e sempre mais amorosa, porque só o amor educa de fato.
13 agosto, 2011 at 8:15 pm
Dora querida, que bonita reflexão. Compartilho suas idéias integralmente. Não consigo imaginar a maternidade sem a convivência estreita, integral. Faço parte do grupo que é criticado por colocar a familia em primeiro lugar, mas observar um filho crescer de perto, vale mais que qualquer momento de glória profissional.
13 agosto, 2011 at 9:10 pm
dora,
acho especialmente interessante as iniciativas de licença parental. há em alguns países da europa a ideia de que quando um bebê nasce, cuidar dele não é tarefa da mãe, mas dos pais, por isso a ideia de que tanto um quanto o outro podem se licenciar dos seus trabalhos para cuidar da criança (e isso por tempos longos, as vezes mais de um ano). infelizmente no brasil a legislação sobre licença paternidade é piada, ficar apenas cinco dias corridos com seu filho quando ele nasce. há alguns projetos em tramitação para aumentar essa licença. dê uma olhada neste pessoal, do instituto papai. fizeram até uma campanha “da licença, eu sou pai”: http://www.papai.org.br/video/view?ID_VIDEO=3. é bem legal 🙂
no mais, ainda precisamos caminhar na questão da equidade de gênero. ao criar uma criança o mundo todo cobra posturas machistas e despropositadas dos pais. caminhar em direção a uma sociedade mais igualitária é reconstruir as relações de paternidade e maternidade e ai, na minha modesta opinião, acho que precisamos ampliar o conceito de família nuclear para formas mais comunitárias e então entender a tarefa de educar uma criança a tarefa de uma comunidade e não apenas de um pai e uma mãe.
e ainda vejo mais um desafio, que tem a ver com o de cima, ensinar nossos filhos que o machismo não é natural, que a homofobia tão pouco, e que, independente do que diz o mundo, eles podem sim realizar toda sua potencialidade. eu, que sou pai de uma menina, me vejo num papel fundamental: ensinar para ela que o machismo que o mundo tenta dizer pra ela que é natural, é uma grande e perigosa mentira.
beijão
deni
13 agosto, 2011 at 11:09 pm
É fundamental mesmo o pai não ser o “bicho papão” da educação dos filhos. Aliás, valeu-me muito fazer o curso de Pedagogia Espírita, pois aprender como realmente uma criança não deve ser educada e como é seu mundo tão maior do que nós adultos pensamos, fez-me uma mãe melhor e por continuidade, o pai de minha filha está também aprendendo a ser um pai melhor. A criança não precisa de “bicho papão” algum para aprender a ter respeito.
13 agosto, 2011 at 11:09 pm
Oi Dora,
Conforto na alma, é ler uma relfexão desta, alegrando por saber que tem pessoas com esses idéias e que a instiuição família ainda pode ser resgatada. Pois é neste berço que se forma a sociedade.
Abraços
Cândida
13 agosto, 2011 at 11:57 pm
Concordo com tudo que foi dito!Mas…. dá um trabalho.
14 agosto, 2011 at 7:18 pm
Falar em família, nos tempos atuais é quase tão piegas quanto essa expressão que me atrevo a utilizar. Hoje vive-se em busca de uma felicidade efêmera que jamais saciará os anseios do Humano. Sexo, vida social, amigos, viagem, mercadorias à disposição de qualquer um. Triste ilusão…A felicidade do espírito é a certeza do dever cumprido. Uma vez que nos propomos a formar uma família esse compromisso está gravado na eternidade. A alegria é fugaz. Um passeio, uma viagem, uma aquisição são atribuições do homem encarnado que se modificam a todo momento. A felicidade, ao contrário do que se divulga, é uma construção, custosa sim, porém de uma riqueza indefinível. Beijos
14 agosto, 2011 at 7:49 pm
Dora, sua mensagem é simples e belissíma!
Eu mesma sou resultado da criação de um excelente pai, sempre muito presente e amoroso.
Creio que esta mensagem não somente é uma reflexão, mas, especialmente, um farol que lança um novo olhar para as relações familiares.
Que assim seja!
beijos!
15 agosto, 2011 at 1:49 am
Querida Dora,
Você tocou em pontos essenciais e que expressam os desafios do homem moderno frente às escolhas que precisa fazer.Chego a pensar que é quase um drama o que as famílias vivem hoje; todos pagam um preço muito alto, mas as crianças são as mais afetadas.Seu artigo faz um alerta importante e num dia em que as pessoas estão mais sensibilizadas….tomará que chegue aos corações.
Beijos
15 agosto, 2011 at 12:51 pm
Apenas gostaria de registrar meu agradecimento pelo texto. Eu e minha esposa pensamos em ter nosso primeiro filho, e cada vez mais nos preocupamos exatamente com as questões postas nos textos. Pretendemos ser pais conscientes, e para tanto precisamos de orientação e informação precisas e de qualidade. E esse texto é um dos que guardarei por muito tempo, lendo e relendo em cada instante que precisar de inspiração para ser um pai melhor. Obrigado.
Um abraço,
Carlos Eduardo/Cuiabá/MT
16 agosto, 2011 at 8:52 am
…é Dó, temos que ser firmes e Fiéis no propósito de família, pena que este mundo moderno poucos se atenham a este detalhe “Família”, pois o consumismo e o acúmulo de “R$”, faça a grande maioria acreditar que é só um fato do cotidiano…….Bjs e parabéns por escrever muito bem, admiro quem sabe colocar em palavras sentimentos e realidades.
21 agosto, 2011 at 3:31 pm
Querida Dora,
Fiquei muito feliz ao ler seu texto. Só você conseguiria sair do lugar comum e escrever com tamanha seriedade e verdade sobre questões que levaram a quase falência total da instituição familiar.
Muitos, ao lerem o artigo, podem até não gostar quando você diz da importância da qualidade e da quantidade de tempo dos pais junto aos seus filhos, pois acreditam no discurso de que o importante é qualidade e não quantidade .
A pergunta só pode ser essa: Onde fica a conversa, o carinho e o cuidado? Que espécie de convivência é essa que não convive?
O modernismo sem Deus tirou o homem do convívio com os outros homens, mas
principalmente de si próprio. Então, eu pergunto: Que “qualidade” é essa?
A figura do “pai patrão”, felizmente, está quase abolida. Porém, o pai amoroso precisa se aproximar desses filhos que um dia serão pais, uma vez que, como você bem disse, carecem de exemplo. Então, o mundo necessita da reconstrução da família, que é a base da educação, para que caminhemos rumo ao verdadeiro progresso, o “amai-vos uns aos outros”, como nos ensinou nosso Mestre Jesus.
Yara Zelia
20 outubro, 2011 at 9:46 pm
Oi Dora, demais amigos!
Seu texto é uma referência, um norteador para quem resolve nadar contra a maré desta tal modernidade e preservar valores tão fora de moda como a família, o afeto, a proximidade, algumas reservas materiais em nome de se estar junto, e, entre tanta coisa boa que parece estar esquecida.
Tomamos coragem de nos dedicar integralmente à educação de nosso filho de dois aninhos e meio (hoje) desde que ele nasceu. Coloquei minha carreira, o sapato da moda e algumas outras coisinhas na prateleira, meu marido mesmo trabalhando e estudando dedica todas as horas que pode ao nosso pequeno. O resultado não poderia ser melhor! Temos em casa uma criança feliz, segura, amorosa, muito amada, saudável, fazendo artes e descobrindo o mundo à sua maneira, com papai e mamãe ao lado, sempre. É tão fascinante criar um filho assim de camarote, ou melhor ainda, no palco junto dele! Quanto aprendemos nesses dois anos e meio, quanto crescemos todos juntos. É regozijante, recomendo e propago a ideia onde posso. Nosso verdadeiro tesouro neste mundo é a família!
12 agosto, 2012 at 4:58 pm
Que mensagem linda e tão necessária ao momento atual. Obrigada. Uma feliz semana.